Láreserá
Médium do Templo
Cristão Umbanda do Brasil. Discípulo de Diamantino Fernandes Trindade
(Hanamatan Ramayane).
Introdução
De quando em quando, emerge no cenário
acadêmico discussão que há muito já deveria ter sido encerrada, tantas são as
provas conclusivas, escoradas em fontes históricas, a escoimar qualquer dúvida
que no passado pôde haver a respeito: a veracidade histórica do advento da
Umbanda por meio do Caboclo das Sete Encruzilhadas e de seu médium Zélio
Fernandino de Moraes em 1908.
Recentemente, verificou-se novo
recrudescimento dessa celeuma, desta feita mais estrepitoso em virtude da
disseminação muito ampla que a Internet e, sobretudo, as redes sociais, hoje
possibilitam. Uma vez mais, acadêmicos vinculados às áreas da antropologia,
sociologia e ciências da religião, umbandistas ou não, insistem em querer
atribuir a esse evento histórico a faceta de um mero “mito fundador”, ora
defendendo que a Umbanda teria surgido não antes da década de 20, no Rio de
Janeiro, ora sustentando que esse movimento religioso teria aparecido, ao mesmo
tempo, em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, sem que se possa
precisar quando exatamente veio à luz.
Neste estudo,
não se analisará essa tese, defendida por Renato Ortiz, pois ela ao invés de
resolver a questão, torna-a ainda mais complexa. Afinal, considerar-se que um
mesmo culto tenha surgido com o nome de “Umbanda” em três diferentes Estados do
Brasil é defender algo muito menos verossímil do que a singela história narrada
por Zélio de Moraes, pois pressuporia um verdadeiro “pentecostes” formador
desse novo movimento religioso. Ademais, Ortiz incorre em afirmações apressadas
e destituídas de fontes claras, tal como a sua afirmação de que Zélio teria
sido um kardecista que fundara um centro espírita em 1908 e se convertera à
Umbanda na década de 1930 (“Um outro
centro espírita, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, fundada em 1908 em
São Gonçalo, Estado do Rio, e que também praticava o kardecismo, em torno de
1930, volta-se para a Umbanda” in “A
morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira”. São
Paulo: Brasiliense, 1999, p. 42.) Incorre, também, em grave contradição, pois muito embora evidencie em
seu artigo conhecer a história da fundação da Tenda Nossa Senhora da Piedade em 1908, de
sorte que, a fortiori, também conhece
a história do Caboclo das Sete Encruzilhadas, observa que ninguém pode
responder quem teria escolhido o nome “Umbanda” (Op. Cit., pp. 48/9). É bem verdade que poderia discordar da versão
da adoção do nome pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas daí a dizer que
ninguém sabe quem teria escolhido o nome vai uma distância muito grande.
Mas qual o intento que move esses
intelectuais? Evidentemente, negar à Umbanda o seu caráter mestiço, brasileiro,
sincrético, fortemente influenciado pelo Espiritismo e pelo Catolicismo, assim
como a sua origem, popular embora, em círculos sociais integrados pela classe
média do início do século XX, a fim de impingir-lhe, à força, uma herança
puramente africana que jamais lhe pertenceu. Em outras palavras, em um
movimento diametralmente oposto àquele realizado por alguns umbandistas mais
eruditos da primeira metade do século passado, que se omitiram de divulgar a
verdadeira história da Umbanda para dotá-la de origens míticas, plenamente
justificáveis sob o prisma da religião[1],
mas insustentáveis ante a historiografia oficial, os novos intelectuais da
Umbanda querem-na apenas negra e reflexo de um movimento de resistência aos
valores brancos e “burgueses” liderado pelos mais pobres e socialmente
discriminados. Tudo que não se adeque à essa noção estereotipada é tido na
conta de elementos próprios de uma burguesia historicamente favorecida que se
teria apropriado indevidamente de elementos étnicos e culturais que não lhe
pertenceriam.
Ora, Zélio de Moraes não era negro,
tampouco pobre, mas filho de uma família de classe média integrada por mais de
um oficial das forças armadas. Típico homem de classe média veio a exercer o
ofício de farmacêutico e o núcleo umbandista por ele liderado, a Tenda Espírita
Nossa Senhora da Piedade, era marcadamente influenciado pelo Espiritismo e
muito pouco pelos cultos de matriz puramente africana. Seu guia espiritual, o
Caboclo das Sete Encruzilhadas, longe de se identificar como um bugre selvagem
e inculto, fora, em uma encarnação passada, o padre jesuíta Gabriel Malagrida,
que jamais se furtou de trazer ensinamentos ostensivamente cristãos em suas
manifestações mediúnicas. Nada palatável, portanto, aos meios acadêmicos
sociais brasileiros, fortemente marcados pelo viés acima identificado.
Esses estudiosos, contudo, valem-se de
uma mesma fonte para negar historicidade à história narrada por Zélio de
Moraes: a obra da pesquisadora norte-americana Diana Brown, Umbanda: Religion and Politics in Urban
Brazil, tese de Ph.D. publicada pela primeira vez em 1974[2]. É
o que se conclui a partir dos ensaios subsequentes à publicação dessa tese,
dentre os quais se destacam os de Reginaldo Prandi[3] e
Emmerson Giumbelli[4],
os quais, mercê dos seus indiscutíveis méritos acadêmicos, tão somente
repetem-na sem questioná-la minimamente.
Desse modo, ainda que muito timidamente,
este breve artigo pretende preencher justamente esse hiato e promover uma
análise crítica da tese de Diana Brown. Afinal, antes que se continue a
promover a dúvida quanto à idoneidade de Zélio de Moraes, de seus familiares e
daqueles que o cercaram, é preciso suscitar alguns questionamentos que levarão
a que se conclua quão frágeis são as bases em que se assentam as opiniões
discordantes.
É
confiável a pesquisa de Diana Brown quanto às origens da Umbanda?
Diana Brown, na sua mencionada tese de
doutorado, antes de apresentar as suas conclusões sobre as origens da Umbanda, faz
questão de pontuar que ao invés de se ter debruçado sobre fontes secundárias,
partiu para a pesquisa de campo, conversando com líderes umbandistas, alguns
deles dirigentes das tendas formadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, e
chegando mesmo a entrevistar o próprio Zélio de Moraes, que, na época, estaria
com cerca de 70 anos.
Quando, onde e como se processou essa
entrevista, não se sabe e sua obra não apresenta sequer um resumo do que se
teria conversado nessa ocasião. Ao que tudo indica, se é que essa entrevista
realmente existiu, Diana Brown parece ter compreendido muito pouco do que lhe
foi relatado, tantos são os equívocos retratados no seu relato.
Com efeito, aquilo que seria uma postura
científica louvável revelou-se, contudo, um método confuso e impreciso, a
começar por um grave erro de premissa que viciou todas as conclusões do estudo:
Diana Brown entendeu que estava a tratar com espíritas kardecistas de classe
média que, descontentes com o pretenso cientificismo e elitismo do Espiritismo
brasileiro, mixaram-no com elementos de cultos afro-brasileiros para dar origem
a uma vertente umbandista denominada “Umbanda Pura” ou “Umbanda Branca”, a
qual, com o tempo, teria influenciado sobremaneira a Umbanda como um todo.
Escreveu Diana Brown:
“In turning from Umbanda’s progenitors to the
formation of Umbanda itself, I leave behind the dubious security of secondary
source materials and rely in my own research and my attempts to grapple with
the complex and confusing historiographic problems involved in reconstructing
Umbanda’s beginnings as a self-conscious religion. I will take as my point of
departure the efforts of a group of middle sectors Kardecists to construct a
blend of Kardecism and Afro-Brazilian religions that would express their own
religious preferences, and along with them their own class values, interests,
and ideologies. This resulted in the creation of a particular form of Umbanda,
wich its founders referred as Umbanda Pura (Pure Umbanda) or Umbanda Branca
(White Umbanda). I will use the term Umbanda Pura to refer to this form of
Umbanda, which has greatly influenced Umbanda as a whole.” (Op. Cit., p. 37) Tradução livre: “Voltando-me aos progenitores da Umbanda, eu
deixei de lado a segurança dúbia das fontes materiais secundárias e baseei
minha própria pesquisa na reconstrução do início da Umbanda como uma religião
de formação doutrinária livre. Eu tomarei como ponto de partida os esforços de
um grupo de kardecistas de classe média na construção de uma amálgama de
Kardecismo e religiões afro-brasileiras que expressaria suas próprias
preferências religiosas e, juntamente com elas, os valores próprios do seu
meio, seus interesses e ideologias. Isso resultou na criação de uma forma
particular de Umbanda, denominada como
Umbanda Pura ou Umbanda Branca por seus fundadores. Usarei o termo Umbanda Pura
para me referir a essa forma de Umbanda, a qual influenciou enormemente a
Umbanda como um todo”.
Ora, se Diana Brown identificou como
pioneiros da Umbanda os fundadores de tão somente uma nova vertente dessa
religião, denominada em seu estudo como Umbanda Pura, o que teria havido antes
deles? Se teria havido um movimento de kardecistas de classe média que deu à
luz a uma Umbanda Pura ou Branca, seria forçoso admitir que, antes disso,
existiria uma Umbanda não influenciada por tais pessoas. Sua pesquisa,
entretanto, não aponta o que seria essa Umbanda original ou matriz, onde e em
qual substrato sociocultural teria se formado, de sorte que teria de ter sido
ela mesma, Diana Brown, a concluir que ou bem ela não encontrara as verdadeiras
origens da Umbanda, ou bem ela efetivamente se deparara com os fundadores dessa
religião, os quais, sob o ponto de vista sociológico e antropológico, poderiam,
de fato, ser considerados os fundadores de um novo segmento religioso – a
Umbanda – oriundo da união de elementos da Macumba, bem como de outros cultos
afro-brasileiros, e do Espiritismo de Kardec. Como se sabe, contudo, a despeito
de seus inúmeros pontos em comum, a Macumba não se confunde, como jamais se
confundiu, com a Umbanda.
A antropóloga norte-americana prossegue
sua narrativa esclarecendo que suas pesquisas sobre os inícios da Umbanda Pura
(aqui, o texto se mostra confuso, pois o que se propunha ser uma pesquisa sobre
as origens da Umbanda parece passar a ser um estudo sobre a história dessa
vertente denominada Umbanda Pura) levaram-na a tomar conhecimento da existência
de Zélio de Moraes, um ex-kardecista[5]
cujas atividades teriam se iniciado em Niterói, na década de 1920.
“My research had led my to link the beginnings of Umbanda Pura to a
particular individual, Zélio de Moraes, and his activities in Niteroi in the
1920s. His account of his illness, his revelation, and his subsequent founding
of the first Umbanda centros was verified by several of the older Umbanda
leaders in Rio, some of whom had been his associates for many years and had
belonged to what we listed as the earliest centros. It was they who introduced
me to Zélio. However, I cannot be sure that Zélio was the founder, although
Zélio’s centro and those founded by his associates were the earliest I found
that have self-consciously identified themselves as Umbanda. Umbanda
historiography is unclear on this matter. Outside of this network, his story is
not widely known, nor has it gained general acceptance, particularly among
younger leaders.” (Op. Cit., p. 38) Tradução livre: “Minha pesquisa levou-me a vincular as
origens da Umbanda Pura a um indivíduo particular, Zélio de Moraes, e suas
atividades em Niterói na década de 1920. Seu relato a respeito da sua
enfermidade, a revelação que recebeu e a subsequente fundação do primeiro
centro de Umbanda é comprovada por vários dos mais antigos líderes umbandistas
do Rio, alguns deles ligados a Zélio por vários anos e membros daqueles que
apontamos como os primeiros centros. Foram eles que me introduziram a Zélio. No
entanto, eu não estou certa de que Zélio foi o fundador, embora o centro de
Zélio e de aqueles fundados por seus companheiros tenha sido os mais antigos
que se identificaram conscientemente como de Umbanda. A historiografia
umbandista não é clara a esse respeito. Fora desse grupo, a história de Zélio é amplamente
desconhecida, tampouco ganhou aceitação geral, particularmente entre os líderes
mais jovens.”
Aqui, nova imprecisão histórica salta a olhos
vistos a quem quer que tenha conhecimento, mesmo que superficial, da história
da Umbanda tal qual narrada por Zélio de Moraes, que sempre situou a sua
narrativa em 1908, ano em que se manifestou pela primeira vez, por seu
intermédio e para seu espanto, pois era católico, o Caboclo das Sete
Encruzilhadas. A primeira atitude do leitor informado que se depara com essa
data doze anos posterior à amplamente aceita e conhecida é buscar, na própria
tese, as fontes de Diana Brown. Surpreendentemente, muito embora ela mesma
afirme que entrevistou Zélio de Moraes, não há qualquer indicação a respeito de
onde teria surgido essa data.
Prosseguindo em seu relato, Brown
afirma que, de acordo com o próprio Zélio de Moraes, a Umbanda encontraria suas
origens em 1920, quando, contando vinte anos, foi tomado por uma doença que o
paralisou. Seu pai, um kardecista, após o insucesso dos tratamentos médicos
intentados, levou-o à Federação Espírita do Rio de Janeiro, onde Zélio recebeu
a “visita” do espírito de um padre jesuíta, que revelou que sua doença tinha
origem espiritual e que era o sinal de uma missão espiritual e predisse que, em
breve, receberia a visita do seu próprio mentor espiritual, que lhe daria
maiores instruções e dirigiria seus trabalhos futuros. Retornando então para
casa, Zélio foi rapidamente curado e, como profetizara o jesuíta, foi
“visitado” por um espírito que se identificou como o Caboclo das Sete
Encruzilhadas, que lhe revelou a sua missão de fundar uma religião chamada
Umbanda. Assim, o “Centro Nossa Senhora da Piedade” surgiu, em meados de 1920,
na periferia de Niterói.
“According to the story told me by Zélio de Moraes,
Umbanda began with an illness and a prophecy. Around 1920, Zélio, then in his
early twenties, became paralyzed. His father, a civil servant and real state
agent in the city of Niteroi across the bay from Rio, was a Kardecist. After
medical treatment failed to improve Zélio’s condition, his father took him for
a consultation at the Brazilian Spiritist Federation in Rio. While there, Zélio
was visited by the spirit of a Jesuit priest, who revealed to him that
his illness was spiritual and the sign of a special
mission. (…) The Jesuit spirit also revealed to Zélio that he would shortly
receive a visitation from his own special spiritual mentor, who would give him
further instructions and direct his future activities.” (Op. Cit., p. 38) Tradução livre: “De acordo com a história contada por Zélio
de Moraes, a Umbanda teve origem numa doença e numa profecia. Por volta de
1920, Zélio, então no início dos seus vinte anos, ficou paralisado. Seu pai, um
funcionário público e corretor de imóveis da cidade de Niterói, que ficava do
outro lado da baía do Rio de Janeiro, era um Kardecista. Depois que o
tratamento médico falhou em melhorar a situação de saúde de Zélio, seu pai
levou-o para uma consulta na Federação Espírita Brasileira do Rio de Janeiro.
Uma vez lá, Zélio foi visitado pelo espírito de um padre Jesuíta, que lhe
revelou que sua enfermidade era espiritual e um sinal da sua missão especial.
(...) O espírito do jesuíta também revelou a Zélio que, muito em breve, ele
receberia uma visita do seu próprio mentor espiritual, o qual lhe daria novas
instruções e dirigiria suas futuras atividades.”
“The Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade (Spiritist
Center of Our Lady of Piety), which Zélio, then a man in his early 70s,
identified to me as the first Umbanda centro, began in the mid-1920s in a
recent backyard on the outskirts of Niteroi.” (Op. Cit., p. 39) Tradução livre: “O Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, o qual Zélio, então um
homem no início dos seus setenta anos, identificou para mim como o primeiro
centro de Umbanda, teve início em meados de 1920, num subúrbio recente nos
arredores de Niterói.” No artigo Uma
história da Umbanda no Rio, publicado em 1985, Brown reproduz praticamente
o mesmo trecho, traduzido por Sérgio Lamarão: “Assim, o Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, que Zélio fundou e
identificou para mim como o primeiro centro de Umbanda, começou a funcionar em
meados da década de 1920 num terreno alugado, nos fundos de uma casa, nos
arredores de Niterói.” (Uma história da Umbanda no Rio. In: Umbanda e Política. Cadernos do ISER, N.
18. Rio de Janeiro: Marco Zero-ISER, 1985, p. 10)
Não se limitando apenas ao equívoco
quanto à data da fundação da Umbanda, sobre a qual já se falou, mas que, a
despeito disso, é evidente por si só, vez que, nascido em 1891, não poderia
Zélio contar vinte anos em 1920, o relato de Diana Brown contém erros
fundamentais. Nunca houve a manifestação sequencial de dois espíritos, um padre
jesuíta e um caboclo, o primeiro em uma sessão espírita e o segundo na casa de
Zélio. Diferentemente disso, o mesmo padre jesuíta Gabriel Malagrida, que se
comunicou na Federação Espírita do Rio de Janeiro, em Niterói, era o próprio
Caboclo das Sete Encruzilhadas, o qual deu esse último nome nessa mesma
ocasião, e não posteriormente, na residência dos Moraes. A própria ordem dos
acontecimentos mostra-se incorreta na obra de Brown, pois, na sessão espírita,
o espírito que se manifestou através de Zélio mostrou-se como um índio, um
caboclo brasileiro, e somente instantes depois é que se identificou como um
sacerdote católico, em virtude de observação formulada por um dos médiuns
videntes presentes no local, que nele identificara vestes clericais.
Qual teria sido a fonte de equívocos
de tamanha monta em uma tese em que a autora afirma ter entrevistado o próprio
Zélio de Moraes? Se não se pode dar por certo, ao menos pode se considerar
muito provável que Diana Brown tenha sido fortemente influenciada, talvez sem o
saber, por líderes umbandistas que, à época da sua pesquisa, vinham fazendo
verdadeiros malabarismos para provar que a Umbanda era uma religião puramente
africana que fora “embranquecida” e “aburguesada” por integrantes da classe
média, os quais, embora descontentes com o Espiritismo praticado no Brasil e
simpatizantes com as práticas que encontraram junto aos cultos afro, sobretudo
a Macumba carioca, não queriam identificar suas crenças e ritos com o elemento
negro, porque associado às classes mais pobres e incultas da população.
Exemplo disso é
a citação, em sua obra, de um excerto da revista Mironga de Tancredo da Silva
Pinto e Byron Torres de Freitas, na qual se veicula, muito
equivocadamente, que “enquanto ‘na língua
africana’ Umbanda significa uma reunião de diferentes tribos para propósitos
religiosos’”, de sorte que similarmente, no Brasil, ela não significa um ritual
em particular, religião ou culto, mas, antes, ‘a unificação de todos os rituais
dos cultos afro-brasileiros, os quais, em sua liturgia, diz respeito a todos os
diferentes costumes tribais das diferentes nações bantu”. A tradução livre é do seguinte trecho: “(…) while ‘in the African language [sic]
Umbanda means a reunion of different tribes for religious purposes’, similarly
in Brazil it does not signify a particular ritual, religion or cult, but rather
‘the unification of all the different tribal customs of the different nations
of Bantus peoples’ (Mironga Vol. I, 1969:25).” (Op. Cit., p. 51)
“Other Umbanda centros in the process of ‘Africanizing’
are also reportedly purging their rituals and cosmology of European (Spiritist
and Catholic) influences and beginning to desyncretize Umbanda pantheons.” (Op. Cit.,
p. XXI) Tradução livre: “Outros centros de Umbanda em processo de
‘africanização’
também
foram reportados purgando seus rituais e cosmologia das influências europeias
(Espiritismo e Catolicismo) e começando a ‘desincretizar’ o panteão umbandista”.
Os líderes desse
segmento buscavam as origens africanas da Umbanda por entenderem que, assim,
estariam se aproximando de um ideal de pureza então muito alardeado pelos
adeptos dos cultos africanos ditos “puros”, de sorte que viam no trabalho de
Zélio e dos fundadores das primeiras tendas umbandistas um esforço da classe
média por “embranquecer” a Umbanda, codificando-a a redefinindo-a segundo seus
próprios interesses de classe.
“The few
existing descriptions of Umbanda, which frequently employed the term ‘Macumba’,
described it as an inferior stepsister to its ‘purer’, more African relatives
in the northeast, and as unworthy of independent study.” (Op. Cit.,
p. 3) Tradução livre: “As poucas
descrições existentes da Umbanda, as quais frequentemente empregam o termo
‘Macumba’, descrevem-na como uma meia-irmã inferior aos seus parentes ‘mais
puros’ do Nordeste, e como indigna de estudo independente”.
“This interpretation, which parallels my own account
of the role of the white class in ‘whitening’ Umbanda some 40 years earlier
raises many questions as to why the same sectors of the population should in
this brief time span change the direction of their cultural taste in
Afro-Brazilian religions and reverse their earlier preference for a ‘whitened’,
de-Africanized form of ‘Brazilian’ religion in favor of an explicitly
afro-centric one.” (Op. Cit., XXI) Tradução livre: “Essa
interpretação, que encontra paralelo em meu próprio relato do papel da classe
branca no ‘embranquecimento’ da Umbanda 40 anos antes, leva a muitas questões sobre
o porquê desses mesmos setores da população terem alterado, nesse breve
período, a direção do seu gosto cultural pelas religiões afro-brasileiras,
mudando sua preferência inicial por uma forma de religião ‘brasileira’
‘embranquecida’, ‘desafricanizada’, em favor de uma explicitamente afrocêntrica”.
“My main focus, however, is on Umbanda practitioners
from the urban middle sectors, and on their efforts redefine and codify Umbanda
ritual and belief in conformity with their own class interests.” (Op. Cit.,
1) Tradução livre: “Meu foco principal,
contudo, é nos umbandistas dos setores urbanos médios e em seus esforços para
redefinir e classificar o ritual e a crença umbandista em conformidade com seus
próprios interesses de classe.”
O que esses líderes
defensores do africanismo não puderam ou não quiseram enxergar é que em jamais
tendo havido uma Umbanda mais ou menos branca, mais ou menos africana, mas
apenas a Umbanda brasileira do Caboclo das Sete Encruzilhadas, eles estavam, na
verdade, lutando contra o processo de “umbandização” da Macumba carioca, ideal
que seria legítimo não tivessem optado por considerar esta última a “Umbanda
verdadeira, africana” e a primeira, uma “Umbanda de branco, descaracterizada”.
Ao optarem, contudo, por negar que a Umbanda já nascera miscigenada e,
gostassem ou não, muito fortemente influenciada pelo Espiritismo, incorreram em
teses insustentáveis à luz da história, da antropologia e da sociologia.
Nada obstante isso, não se pode
escusar Diana Brown sob o argumento de que, estrangeira em terras brasileiras,
não teria conseguido encontrar-se em meio a um cenário religioso sabidamente
complexo e, de quebra, cheio de interesses privados contrários à verificação da
verdade histórica. A despeito do seu notável interesse, enquanto pesquisadora
norte-americana, de estudar uma religião então obscura em seu próprio país, não
se pode deixar de consignar seu pouco cuidado com a verificação de suas fontes,
sejam elas primárias ou secundários.
Exemplo disso, evidência de que seus
erros não se limitaram à história da Umbanda, pode se verificar no tratamento
por ela dado à própria história do Espiritismo. Com efeito, Diana Brown
assevera que o Professor Léon Rivail seria um médium que começou a psicografar
mensagens de um espírito que se identificava como um druida chamado Allan
Kardec, as quais deram origem, ao longo de quinze anos, às bases do Espiritismo
ou Kardecismo.
“In 1855, after
attending Spiritualist seances, Léon Rivail, a Parisian schoolteacher and
translator of science books, began to receive messages from a spirit who
identified himself as a Druid named Allan Kardec. The psychographed
communications which this spirit delivered over next 15 years formed the basis
of the philosophy/science/religion known in France as Spiritism, and in Brazil
as Espiritismo or Kardecismo.” (Op. Cit., p. 15) Tradução livre: “Em 1855, depois de assistir a uma sessão
espiritualista, Léon Rivail, um professor parisiense e tradutor de livros
científicos, começou a receber mensagens de um espírito que se identificava
como um druida chamado Allan Kardec. As mensagens psicografadas que os
espíritos enviaram ao longo de 15 anos formaram a base de uma
filosofia/ciência/religião conhecida na França como Spiritisme e, no Brasil,
como Espiritismo ou Kardecismo”.
Ora, bastava que
ela consultasse uma única obra, as Obras
Póstumas de Allan Kardec[6], para concluir que o Professor Hippolyte Léon
Denizard Rivail jamais atuou como médium, nunca recebeu uma única mensagem
psicografada, mas, antes, era um pedagogo francês que adotou o método
científico para analisar e catalogar um sem número de mensagens recebidas por
diversos médiuns e atribuídas a uma miríade de espíritos, a partir das quais
codificou uma doutrina de caráter filosófico, moral e empírico à qual deu o
nome de Espiritismo. Allan Kardec, segundo a revelação de um espírito por meio
de um médium, fora o nome do Professor Rivail em uma encarnação passada, em que
fora druida, tendo sido por ele adotado como um pseudônimo na França do final
do século XIX.
Como se vê, a pesquisa de Diana
Brown conta com muitos pontos frágeis e, embora não haja, aqui, a intenção de
crucificá-la, é preciso deixar claro que suas conclusões não merecem ser
repetidas pelos acadêmicos brasileiros, sem qualquer espírito crítico, mas,
antes, como se se tratasse de autoridade máxima no tema sobre o qual se propôs
escrever.
A repetição da
tese de Diana Brown pelos acadêmicos brasileiros
Sem que se faça necessária a
renovação das críticas ao trabalho de Diana Brown já suficientemente expostas
no item precedente, tragam-se, aqui, dois exemplos de dois acadêmicos
brasileiros de nomeada, autores de excelentes trabalhos no campo das religiões
afro-brasileiras, mas que acabaram por passar adiante a tese de Diana Brown a
respeito da história da Umbanda sem se terem ocupado de realizar uma análise
crítica que levaria às mesmas conclusões aqui expostas.
O primeiro deles é um texto da lavra
do renomado e justamente festejado Reginaldo Prandi, Professor Titular de Sociologia
da USP, que traz as seguintes considerações sobre as origens da Umbanda:
Assim, o primeiro centro de
Umbanda teria sido fundado no Estado do Rio de Janeiro, em meados dos anos
1920, como dissidência de um kardecismo que rejeitava a presença de guias
negros e caboclos, considerados pelos espíritas mais ortodoxos como espíritos
inferiores. Logo, seguiu-se a formação de muitos outros centros desse
espiritismo então chamado de espiritismo de Umbanda. Do Rio de Janeiro, a
Umbanda instalou-se e se expandiu em São Paulo rapidamente, depois pelo País
inteiro. Em 1941, realizou-se no Rio de Janeiro o Primeiro Congresso de
Umbanda, congresso ao qual compareceram também umbandistas de São Paulo.[7]
Muito embora a obra de Brown não
tenha sido referenciada na bibliografia deste artigo e a despeito de não se ter
analisado os trabalhos dos autores nele citados, para se verificar quais deles
veicularia a tese de que a Umbanda nasceu em 1920, é evidente que a afirmação
advém da tese da mesma antropóloga norte-americana, aqui veiculada sem maiores
cuidados.
O segundo artigo que se analisará é
da lavra de Emerson Giumbelli, Professor Associado de Antropologia da UFRS,
voltado especificamente a uma análise crítica da história comumente aceita de
Zélio de Moraes. Nesse ensaio, o autor defende a ideia de que o advento da
Umbanda pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas é um mito de criação que começou a
ser difundido a partir da década de 1960, antes da qual pouco ou nada se ouvia
a respeito de Zélio de Moraes.
O estudo parte da própria tese
exposta por Diana Brown na década de 1970, explicitamente referenciada no
seguinte excerto:
As fontes de informações que
fundamentam esses relatos umbandistas não são precisas, mas envolvem
depoimentos do próprio Zélio e de seus familiares e companheiros de religião.
Diana Brown, cujas pesquisas realizadas no final da década de 1960 permanecem
até hoje como principal referência nos textos acadêmicos que tratam da história
da umbanda, apresenta uma versão baseada em entrevista com Zélio. Sua narrativa
confirma a maioria dos pontos anunciados por Alves de Oliveira: a paralisia, a
ida ao centro espírita e a ruptura com o Kardecismo, a missão imposta pelo
Caboclo das Sete Encruzilhadas de criar outros sete templos. As principais
divergências residem em detalhes históricos. Para Brown, as reviravoltas na
vida de Zélio ocorreram na década de 1920, e não em 1908, e a federação
espírita que o atendeu estava localizada no Rio de Janeiro, não em Niterói.
Diana Brown adverte que não tem como comprovar que Zélio de Moraes tenha sido
‘o fundador da Umbanda’, mas sugere que ‘o
centro de Zélio e aqueles fundados por seus companheiros’ são os primeiros que
encontrei em todo o Brasil que se identificavam conscientemente
como praticantes de Umbanda e que o relato de Zélio é extremamente convincente
no sentido de dar conta de como a fundação da Umbanda provavelmente ocorreu (1985, p. 10)”.[8]
A partir desse sopesamento entre os
relatos de Zélio, seus familiares e companheiros e a entrevista que Diana Brown
teria realizado com ele, Giumbelli dá seguimento à sua tese de que a versão de
Zélio seria, na verdade, um mito convenientemente criado a partir dos anos 1960
para conferir hegemonia à Umbanda, “exatamente
quando a dispersão doutrinária e ritual e a divisão institucional parecem se
impor de modo inexorável”[9].
Curiosamente, não esclarece o porquê de ter optado pela entrevista de Diana
Brown com Zélio, ocorrida não se sabe onde, quando, e cujo conteúdo se conhece,
ao invés de fundamentarem-se nesses vários outros relatos e entrevistas
existentes, devidamente documentados, nos quais Zélio, família e amigos narram
todos a mesma história. Por que a palavra da antropóloga norte-americana tem
mais peso do que aquela dos pesquisadores brasileiros, daqueles diretamente envolvidos
na formação das primeiras tendas umbandistas e, sobretudo, aquela de quem se
diz o próprio fundador da Umbanda? É coisa que o autor não esclarece...
O ensaio, ainda, apresenta outras
incoerências, talvez fruto de uma inclinação pré-concebida à comprovação da
tese de que nada se escrevera a respeito da proeminência de Zélio de Moraes na
história da Umbanda. Tanto assim que menciona a pesquisa de Roger Bastide, que
deu origem à obra As religiões africanas
no Brasil em 1960, estruturada em amplo estudo na literatura espírita e
umbandista, na qual somente se teriam encontrado menção ao Caboclo das Sete
Encruzilhadas, mas não a Zélio, a tese de Lourenço Braga, publicada em 1941 no
Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, que também somente
mencionaria o Caboclo, e as reportagens do Jornal
de Umbanda, as quais tão somente se refeririam a Zélio como o “vovô dos médiuns de Umbanda”, “um dos mais antigos, senão o mais antigo
dos trabalhadores em terreiro”, “decano
dos Babalaôs da União”, indicando uma “subordinação
da individualidade de Zélio ora à sua condição genérica de médium (como tantos
outros na Umbanda), ora à sua condição de intermediário de uma entidade
espiritual (que, diga-se, não lhe devia exclusividade)”.[10]
A tentativa de provar a tese não
convence. Citar o Caboclo das Sete Encruzilhadas é o mesmo que mencionar Zélio
de Moraes, pois, a despeito de médium algum poder se arrogar exclusividade no
trabalho com uma determinada entidade espiritual, fato é que não há registro de
qualquer outro médium que trabalhasse com o Caboclo das Sete Encruzilhadas
enquanto Zélio de Moraes esteve vivo (e reivindicações posteriores à sua morte
são para lá de duvidosas...). Mais ainda: não há registro histórico do nome
Caboclo das Sete Encruzilhadas antes de Zélio de Moraes, havendo, antes dele,
tão somente menção ao Exu das Sete Encruzilhadas, que já baixava nas Macumbas
cariocas. De mais a mais, nem Zélio, nem os seus companheiros de ideário
umbandista jamais exaltaram a figura humana por detrás do fenômeno espiritual
em que acreditavam, mas tinham em altíssima consideração, como fundador do
movimento religioso em que militavam, o Caboclo das Sete Encruzilhadas,
alcunhado por eles de “o Chefe”.
É curioso notar, ainda, que embora
Giumbelli tenha referenciado as obras de Leal de Souza No mundo dos espíritos e O
Espiritismo, a magia e as sete linhas de Umbanda, publicadas,
respectivamente, em 1925 e 1933, insista na tese de que somente a partir de
1960 é que teria sido conferida alguma preponderância a Zélio na Umbanda. Não
menos surpreendente é dizer o autor, apoiado no relato trazido na primeira obra
de Leal de Souza, que o que se verificava no centro de Zélio era apenas um “cenário que remete inequivocamente ao
espiritismo de mesa, a presença do Caboclo das Sete Encruzilhadas e Pai Antonio
e de elementos que para o autor evocam a macumba”[11],
quando não se dissesse que a Umbanda caracteriza-se justamente pela fusão de
elementos do Espiritismo de Kardec, dito de mesa, e da Macumba, sendo marcada
pela presença justamente das figuras do Caboclo e do Preto Velho.
Essa mesma contradição fica
novamente evidenciada, mais adiante, quando o autor, a partir do relato de Leal
de Souza, indaga-se, a respeito da Tenda Nossa Senhora da Piedade: “trata-se de um centro kardecista cujo
protetor era um caboclo e que acolhia as manifestações de um preto-velho ou de
uma ‘macumba’ bem próxima ao kardecismo? Podemos notar que o nome da
instituição parece mudar em uma década, passando de ‘centro espírita’ para
‘tenda espírita’ (cf. Leal de Souza 1924, 1933).”[12]
Ora, não se tratava nem de uma coisa, nem de outra, mas de uma centro de
Umbanda, que conta justamente com esse aspecto que ora lembra o Espiritismo,
ora evoca as macumbas. Ademais, na época, compreendia-se a Umbanda como uma
variante do Espiritismo,[13]
razão que explica o porquê de se utilizar a denominação “espírita” na
denominação das tendas umbandistas.
Chama atenção, ainda, que o médium umbandista
que mais referências mereceu na literatura e nos periódicos citados pelo
próprio Giumbelli foi Zélio de Moraes. De fato, não fossem bastantes as longas
referências a seu respeito nas duas obras de Leal de Souza, principalmente, na
última, há ainda as homenagens a ele prestadas no Jornal de Umbanda e mesmo as referências indiretas ao seu guia, o
Caboclo das Sete Encruzilhadas. Qual outro médium umbandista, antes de 1960,
data de corte erigida pelo próprio autor, mereceu tantas menções e homenagens?
São digressões, em suma, que levam à
conclusão de que esse último autor acaba, a bem da verdade, por afirmar
justamente aquilo que nega, sem conseguir demonstrar, se não foi Zélio, quem
então teria criado a Umbanda (o surgimento de um movimento religioso por
geração espontânea é que não se pode admitir) e quais centros teriam sido os
pioneiros desse movimento. Enfim, tomando por premissa a tese de Diana Brown,
acaba por incorrer em erro bastante assemelhado, pois também não prova o que
afirma.
Conclusão
Em um dos pratos da balança há a ampla
pesquisa histórica a respeito das origens da Umbanda, fundamentada em relatos,
entrevistas e documentos, divulgada por Lilia Ribeiro, Ronaldo Linares e
Diamantino Fernandes Trindade[14],
ao passo que, no outro, há uma única tese, publicada por uma pesquisadora
norte-americana que não indica as suas fontes. No primeiro caso, a Umbanda é um
novo movimento religioso nascido em 1908, em Niterói, por meio de Zélio
Fernandino de Moraes, médium do Caboclo das Sete Encruzilhadas, enquanto que do
outro há uma Umbanda nascida não se sabe quando, nem por meio de quem, à qual
se teria convertido Zélio de Moraes em 1920 e passado a moldá-la ao seu próprio
universo cultural, “embranquecendo-a” e “aburguesando-a”.
Embora patentíssimo o desequilíbrio, os
acadêmicos brasileiros insistem em desconsiderar todo o material que aponta
para as origens da Umbanda em Zélio de Moraes e preferem tomar como referência
principal a tese de Diana Brown.
O motivo, como se anunciou na introdução
deste breve ensaio, só pode mesmo ser ideológico, tamanho é o abismo que
separam as duas teses, uma plena de evidências, e a outra, mal embasada e
contraditória. É o velho discurso decantado por alguns setores acadêmicos que
privilegiam o ideário político à concretude dos fatos.
Melhor seria que apresentassem provas de
que as coisas não se passaram segundo os relatos de primeira mão, de que a
Umbanda teria surgido em outra época, fruto de um único indivíduo ou mesmo de
um grupo. Enquanto tais provas não vierem à luz, nada lhes restará senão a
pesquisa de Diana Brown, aqui facilmente desconstruída, em oposição ao farto
material disponível a apontar, há 110 anos o surgimento de uma religião
brasileira, mestiça, cabocla, herdeira do Espiritismo, da Macumba, do Catolicismo,
por intermédio de um jovem rapaz que serviu de médium a um padre que se queria
fazer índio: a Umbanda.
Referências
BROWN,
Diana. Uma história da Umbanda no Rio. In: Umbanda
e Política. Cadernos do ISER, N. 18. Rio de Janeiro: Marco Zero-ISER, 1985.
____________.
Umbanda: Religion and Politics in Urban Brasil. New York:
Columbia University Press, 1994.
FEU
- FEDERAÇÃO ESPÍRITA DE UMBANDA. Primeiro
Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda. Rio de Janeiro: Jornal do
Comércio, 1942.
GIUMBELLI,
Emerson. Zélio de Moraes e as origens da Umbanda no Rio de Janeiro. In: V. G.
Silva (org.). Caminhos da alma: memória
afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002.
KARDEC,
Allan. Obras Póstumas. 34ª edição.
Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004.
ORTIZ,
Renato. A morte branca do feiticeiro
negro: Umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999.
PRANDI,
Reginaldo. Referências Sociais das Religiões Afro-Brasileiras: Sincretismo,
Branqueamento, Africanização. In: CAROSO, Carlos e BACELAR, Jéferson (org.). Faces da Tradição Afro-Brasileira. p.
93-111, Rio de Janeiro: Pallas/CEAO. 1999.
TRINDADE,
Diamantino Fernandes. História da Umbanda
no Brasil (11 volumes). Limeira: Editora do Conhecimento, 2014 a 2019.
[1] A referência, aqui, é às teses
defendidas no “Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda” de 1941.
No cenário da época, era muito compreensível que os umbandistas ciosos de
erigir a Umbanda ao status de
religião oficial e de legitimá-la, rejeitados que eram pelos kardecistas e
atacados pela incompreensão da sociedade predominantemente católica de então,
buscassem distanciar-se tanto do Espiritismo de Kardec, quanto dos cultos
africanos, que sofriam as piores pechas de uma sociedade conservadora, tida por
civilizada e ainda bastante influenciada pelos valores europeus, e lançassem
mão de ideais orientalistas oriundos da Sociedade Teosófica.
[3] Referências Sociais das Religiões Afro-Brasileiras: Sincretismo, Branqueamento,
Africanização. In: CAROSO, Carlos e BACELAR, Jéferson (org.). Faces da Tradição
Afro-Brasileira. p. 93-111, Rio de Janeiro: Pallas/CEAO. 1999, p. 156.
[4] Zélio de Moraes e as origens da Umbanda no Rio de
Janeiro.
In: V. G. Silva (org.). Caminhos da alma: memória afro-brasileira. São Paulo:
Summus, 2002, p. 187/8.
[5] “Many of this group of founders was, like Zélio,
former Kardecists who had become disaffected with Kardecism and had taken to
visiting various ‘Macumba’ centers in the favelas around Rio and Niteroi.” (Op. Cit., p. 40) Tradução livre: “Muitos desse grupo de fundadores
eram, assim como Zélio, ex-kardecistas que se tornaram insatisfeitos com o
Kardecismo e passaram a visitar centros de ‘Macumba’ nas favelas ao redor do
Rio e de Niterói”.
[6] KARDEC, Allan, Obras Póstumas, 34ª edição. Rio de
Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 263ss.
[7] PRANDI,
Reginaldo. Referências Sociais das Religiões Afro-Brasileiras: Sincretismo,
Branqueamento, Africanização. In: CAROSO, Carlos e BACELAR, Jéferson (org.).
Faces da Tradição Afro-Brasileira. p. 93-111, Rio de Janeiro: Pallas/CEAO,
1999, p. 156.
[8] GIUMBELLI, Emerson. Zélio de
Moraes e as origens da Umbanda no Rio de Janeiro. In: V. G. Silva (org.). Caminhos da alma: memória
afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002, p. 187.
[9] Op. Cit., p. 189.
[13] A própria Federação Espírita
Brasileira já defendeu a existência de um “Espiritismo de Umbanda”, conforme
artigo de seu Presidente Antônio Wantuil de Freitas na revista O Reformador
de maio de 1966.
[14] Diamantino Fernandes Trindade
remete o leitor interessado em ir a essas e a outras fontes a coleção histórica
de sua autoria, com onze volumes, editada pela Editora do Conhecimento sob o título
de História da Umbanda no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário