O culto da Cabula é um exemplo que aponta para a fusão das práticas dos
bantos com o Espiritismo. Cabula é um termo deturpado originário de Cabala.
Este culto, já extinto, generalizou-se após a Lei Áurea e é o precursor das
primitivas macumbas. Em diversos locais recebeu a influência do Catolicismo
formando uma amalgamação sincrética onde se ouviam muitos termos utilizados nos
terreiros de Umbanda.
Conforme Nina Rodrigues [1], o
Espírito que comanda os trabalhos é chamado de Tatá. Seus adeptos, chamados de Camanás, devem guardar sigilo absoluto sobre os rituais sob pena de
morte por envenenamento.
Tal qual no Catimbó, as sessões são denominadas mesas e o chefe de cada mesa é chamado de Embanda, sendo auxiliado pelo Cambone.
A reunião dos camanás (cabulistas) forma uma Engira. Todos devem obedecer cegamente o Embanda sob pena de castigos severos. Usam calças e
camisas brancas e lenços amarrados à cabeça.
O templo é denominado de Camucite,
o local é secreto, sempre embaixo de uma árvore frondosa no meio da mata, em
torno da qual é limpa uma extensão circular de aproximadamente 50 metros. Feita
uma fogueira, a mesa é colocada do lado leste, rodeando pequenas imagens com
velas acesas, simetricamente dispostas.
As velas são denominadas estereiras
[2] e são acesas iniciando-se pelo leste, em honra do mar (calunga grande), depois
para o oeste, norte e sul.
Logo após a abertura do ritual, o Embanda, ao som dos nimbus (pontos cantados) e palmas
compassadas, se contorce, revira os olhos, bate no peito com as mãos fechadas
até soltar um grito estridente.[3] Vejamos
um desses nimbus:
Dai-me licença, carunga
Dai-me licença, tatá
Dai-me licença, bacúla
Que embanda qué quendá
O cambone traz então um copo com vinho e uma raiz. O Embanda mastiga a
raiz e bebe o vinho. Serve o fumo do incenso, queimado neste momento em um vaso
e entoa o segundo nimbu:
Báculo no ar
Me queira na mesa
Me tombe a girar
O Embanda, ora dançando ao bater compassado das palmas, ora em êxtase,
recebe do cambone o candaru (brasa
em que foi queimado o incenso), trinca nos dentes e começa a emitir chispas
pela boca, entoando então o nimbu:
Me chame três candaru
Me chame três tatá
Sou Embanda novo (ou velho)
Hoje venho curimá
Os pleiteantes (caialos) a
camanás (iniciados) são levados pelos seus padrinhos até o Embanda e tão logo
adentram o círculo, passam três vezes por baixo das pernas do Embanda. Este
aspecto do ritual é denominado tríplice
viagem, que simboliza a fé, a humildade e a obediência a seu novo pai. O
Embanda recebe a emba (pemba pilada)
e com ela fricciona os pulsos, a testa e o occipital do caialo, que depois
mastiga a raiz e bebe o vinho oferecido pelo Embanda.
Após esse ritual o Embanda toma uma vela acesa, benze-se e começa a
passá-la por entre as pernas, por baixo dos braços e pelas costas do camaná. Se
porventura a vela se apagar diante de um dos camanás, esse deverá ser castigado
com várias pancadas na mão com o kibandan
(palmatória), até que a vela não mais se apague. Esses castigos são freqüentes
e o Embanda manda aplicá-los sempre que julga conveniente, para o
aperfeiçoamento dos camanás.
Então, avaliada a fé de todos os camanás, prossegue-se com a tomada do santé, que é a parte principal das
reuniões. Entoam um nimbu apropriado e o Embanda dança, com grandes gestos e
trejeitos para que o Espírito se apodere de todos. De tempos em tempos todos
lançam ao ar a emba, para que se afastem os “maus espíritos” e fiquem cegos aos
profanos, não devassando assim os seus segredos. [4]
O Espíritos que baixam nos adeptos identificam-se como Tatá Guerreiro,
Tatá Flor de Carunga, Tatá Rompe-Serra, Tatá Rompe-Ponte etc. Este culto
praticamente não existe na atualidade e foi absorvido pelo Catimbó e pelas
macumbas.
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