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UMBANDA NÃO É MACUMBA!
Reportagem
de Sabino Canalini
Revista da
Semana, 5 de Dezembro
de 1951, n. 50
Sempre
que se fala em terreiros e em sessões espíritas pela Lei de Umbanda a maioria
das pessoas esconde a curiosidade ou a ignorância sobre o assunto atrás de
classificações mais ou menos desairosas a respeito de matéria tão delicada.Em
geral tem-se o terreiro como lugar em que se pratica o baixo espiritismo. Mas
não é fácil definir o que seja o alto espiritismo.Dizem-na
ilegal, isto é, praticada fora da lei, acobertada pela noite, em lugares
escusos, escondendo sempre segundas intenções. Infelizmente acontecem às vezes
fatos que quase comprovam a veracidade de tais opiniões. É recente o caso de
Campos, onde, pela influência maléfica de um falso pai de santo, entregou-se um
homem ao horripilante banquete de carne de defunto, em obediência à receita
imposta por quem “diagnosticara” o mal. Seres perversos existem em todas as
coletividades humanas e não é pelo exemplo dado por eles que devemos generalizar
sobre essa ou aquela sociedade. Grande parte das interpretações erradas sobre a
Lei de Umbanda é devida ao desejo de seus praticantes se manterem afastados de
qualquer propaganda, evitando sensacionalismos prejudiciais. Daí, porém, até
chegar à ilegalidade, há muita diferença. Para desfazer impressões que poderiam
causar dúvidas, fomos procurar no Encantado, o Terreiro Abalauaê.
Consultando
seus dirigentes, soubemos que o funcionamento é permitido por alvará, tendo o
Diário Oficial de 27 de setembro de 1947 publicado a ata de fundação da
sociedade e seus estatutos, nos quais reza que a finalidade é caridade moral,
material e espiritual por todos os meios ao seu alcance.Assistência
social, médica, instrutiva. O que diz respeito à medicina não é praticada sem
base, contando com os cuidados profissionais gratuitos de um facultativo. E
isso pode ser verificado em todos os centros espiritas! Em alguns vimos
verdadeiras clinicas, o que demonstra que a difícil arte de curar não é adotada
por empirismo.
Quanto
à assistência material, isso quer dizer que aos que não tem meios suficientes,
os remédios são doados. As consultas não são pagas. Para sustento da
organização, conta o terreiro com um quadro social, como outra qualquer
agremiação. Todos, sem distinção, podem usufruir o que de boa vontade é
oferecido nesses centros.
Todo
cuidado é pouco na escolha dos mesmos, pois há a possibilidade de se cair nas
malhas de espertalhões, como o de Campos. Os que dirigem o terreiro não vivem
dessa atividade: todos tem profissões diversas que praticam para tirar o
suficiente à vida cotidiana. Comerciários, em sua maioria, bancários,
industriários, comparecem às sessões por uma necessidade espiritual, para
beneficiar um pouco o próximo com os poderes que os médiuns recebem do alto. O
que mais impressiona, especialmente aos calouros, é o ritual, considerado
bárbaro, atrasado, indigno dos nossos foros de pais civilizados.
Na
realidade é uma das facetas mais focalizadas quando a quer descrever o Brasil
nos países estrangeiros. Tudo o que é exótico serve de publicidade. Poucos
sabem, no entanto, que a “macumba” não é realizada apenas em nosso pais. Na
velha Europa, em que a cultura atingiu sua culminância, na própria
supercivilizada França, há populações tão atrasadas quanto as nossas, onde até
a magia preta é levada a efeito. Antes de mais nada queremos dizer que o termo
“macumba” é impróprio. Dá-se esse nome a um instrumento indígena, tipo de reco
reco, e de macumbeiro a que o toca. O espiritismo admite a possibilidade dos
feitiços, com intenções maldosas e até funestas. É a finalidade da Quimbanda.
Para
atenuar a ação dos espíritos maus que atuam nessas sessões é que surgiu a Lei
de Umbanda, bem mais antiga do que o descobrimento do Brasil. Trazida talvez
pelos escravos, de mistura com a liturgia dos índios aborígenes, mais os ritos
medievais que os perseguidos da inquisição europeia infiltravam pelos navios
lusos e os corsários de muitas outras nacionalidades, formou-se o que poderá
ser conhecido como ritual brasileiro. Não é mais pura, amalgamou-se com a
religião católica, de quem adora os santos e é dedicada especialmente a quem,
pela cultura própria, não poderia admitir coisa superior. Não há nisso nenhum
desprezo de nossa parte. Apenas reconhecemos o fato de que se todas as pessoas,
na face da terra, possuem, por esta ou aquela razão, a mesma instrução,
educação e base de conhecimentos da vida, sua evolução e seus mistérios.Já
fizemos confronto com os três graus da instrução comumente aplicada em nossas
escolas. Já chamamos a atenção para os que pareciam se enfadar nas sessões
dirigidas por Chico Xavier em Pedro Leopoldo. Para esses é quase
incompreensível uma cerimônia em que não haja um pouco de religião, um pouco de
música, um pouco de dança, cantos e um pouco de medicina. Isso é muito parecido
com o que se pratica por aí como última novidade saída dos mais adiantados
laboratórios de pesquisas transcendentais. Por ser praticado por gente humilde,
não merece nosso desprezo. A influência dos africanos na formação de nossa nacionalidade
é enorme.O
folclore incumbiu-se de recolher os ritmos, os cantos e os “passes” dos tristes
e melancólicos pretos violentamente arrancados de seus países de origem. O
sentimentalismo dos negros de Luanda continua a influenciar seus descendentes, inclusive
numa doutrina que aos poucos está se firmando, pela maior compreensão de suas
finalidades. Nem todos podem admitir um raciocínio baseado no kardecismo assim
como nem todos podem admitir que a terra gira no espaço ou apenas, como agora,
que a hora de verão nada tem a ver com a política. Falta de instrução, eis a
principal falha de nossa sociedade. Os terreiros vivem cheios de frequências as
mais heterogêneas, inclusive de pessoas que pelo ambiente em que vivem, pela
posição social que ocupam, estão na obrigação de possuir maior cultura.
A
curiosidade ou pedidos estranhos são os motivos que os animam a frequentar os
terreiros. A finalidade do espiritismo não é atender aos desejos dos candidatos
nas eleições para serem bem sucedidos, ou para ajudar os estudantes em período
de provas, para passar de ano. A humanidade conta com a força de vontade e com
o livre arbítrio justamente para resolver esses casos de sua exclusiva alçada.
O mérito deve ser unicamente do homem, de outra forma seria lícito também pedir
um palpite para o jogo do bicho. O que o espiritismo ensina é a viver segundo
os preceitos do Cristo, no amor ao próximo e para o bem da humanidade. Essas
regras universais podem ser observadas inclusive na Lei de Umbanda repetimos,
que deve ser considerada como o segundo estágio do aperfeiçoamento da alma
humana.
O
bem e o mal se degladiam continuamente: depende de nós, unicamente de nós,
escolher o caminho. Umbanda não ensina o mau caminho.
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