Após os eventos televisivos no Programa
do Chacrinha e Flávio Cavalcanti, EM AGOSTO DE 1971, a fama de Seu Sete da Lira
cresceu assustadoramente. Como diz o velho ditado: “ninguém chuta cachorro
morto”.
O fato incomodou a imprensa, a igreja, o
governo militar os invejosos de plantão, principalmente os pais de santo e mães
de santo. Reportagens sensacionalistas tentaram enxovalhar a obra assistencial
praticada por Seu Sete da Lira e sua médium Cacilda de Assis. Disseram, por
exemplo, que a Lira do Rei era instrumento de enriquecimento ilícito da sua
intermediária no mundo dos encarnados. Diziam que havia sonegação uma quantia
grande de impostos etc. Mãe Cacilda de Assis reuniu a diretoria da Tenda
Espírita Filhos da Cabocla Jurema, juntou farta documentação e colocou os
pingos nos “is” conforme podemos ver na reportagem.
Revista O
Cruzeiro, 20 de outubro de 1971, n. 42
Uma
mesa comprida com bolos e doces, bandeirinhas azuis, rosas vermelhas, mil
cores. Gente bem vestida. Expectativa. Estamos na Lira do Seu Sete, em
Santíssimo, Guanabara. Ainda não eram três horas e, do lado de fora da Tenda
Espírita Filhos da Cabocla Jurema, suadas, umas duas mil crianças esperavam,
desde o amanhecer, que Mãe Cacilda, cavalo de Seu Sete, iniciasse a distribuição
de presentes há vários anos repetida. Era mais um dia 27 de setembro, data de
Cosme e Damião.
Enquanto
todo mundo esperava que seus filhos saíssem de lá com uma lembrança do dia da
festa, Dona Cacilda de Assis, diretora-presidente do terreiro, havia naquele
mesmo dia feito uma reunião importante com os outros diretores: Petisco, Luzia,
Prieto e José Gomes. Discutiram as condições da Tenda e uma prestação de contas
que deveria ser feita à sociedade.
–
A imagem do Rei da Lira, o Nosso Pai, foi distorcida por muita gente.
Enquanto
falava, ela is colocando pulseiras nos braços para começar a festa da gurizada.
Mãe Cacilda, como é tratada, estava em uma tarde atarefada:
–
Depois que eu terminar minha missão com a criançada, vou dizer muita coisa para
vocês. Tenho que mostrar aos fiéis que fomos vítimas de injúrias. Eu e Seu
Sete.
A vez de Dona
Cacilda
De
repente Dona Cacilda de Assis passou a viver momentos difíceis perante a
sociedade, só por ser a Mãe de Santo que recebe o Exu Sete da Lira. Várias vezes
ela explicou que “o problema da aceitação do povo não foi por culpa minha. Foi
só do Seu Sete, que começou a praticar o bem, e muita gente ficou gostando
dele. Agora é que estão dizendo o contrário, mas quem diz assim talvez, quem
sabe, já tenha precisado do Nosso Pai”.
Ia
falando e distribuindo doces entre milhares de mãozinhas frágeis, erguidas em
sua direção. Eram bolas, bonecas, carrinhos, roupas feitas pelas mães de santo,
sapatos e até medicamentos. Os problemas surgidos não impediram que ela cumprisse
a promessa feita aos pais, de que aquela festa de Cosme e Damião ia ser melhor
do que a do ano passado, visto que, na nova Lira – que ainda está em obras –, o
espaço seria maior e, consequentemente, a distribuição também.
Apesar
da movimentação, os membros que compõem a direção da Tenda Espírita Filhos da
Cabocla Jurema aguardavam ansiosos que Mãe Cacilda encerrasse tudo, para poder
dar atenção aos repórteres e mostrar toda a documentação do terreiro, incluindo
cópias autenticadas de comprovantes dos pagamentos das taxas de impostos desde
o inicio dos trabalhos de Seu Sete.
Toda
a papelada estava em poder de Armando Prieto, secretario da Tenda e devoto fiel
do Rei da Lira. Aproximou-se com um Diário Oficial do dia 13 de agosto de 1971
e mostrou:
Tenda
Espírita Filhos da Cabocla Jurema... fundada nesta cidade, onde tem sede e foro
por tempo indeterminado, com fundo social a constituir-se, tendo por fim: a)
praticara, estudar e difundir a religião de umbanda, de acordo com a legislação
em vigor no País, e, dentro dos princípios da Fé, Respeito e Compreensão; b)
prestar assistência social... etc.
Prieto
segura o Diário Oficial entre os dedos e ri para a gente, como quem diz:
Estamos certos ou não?
Já
era noite, quando Mãe Cacilda se aproximou do pequeno grupo formado no alpendre
da sua casa na Rua dos Caquizeiros, 434, explicando:
–
Pronto, meus filhos. Terminei minha missão, estou à disposição de vocês para
mostrar quantas mentiras andaram espalhando sobre a gente.
Estava
empeirada, o rosto suado. Segurou o grosso envelope com papéis amarelados pelo
tempo, para mostrar uma declaração da Loteria Federal do Brasil, datada de 21
de agosto de 1958, pela qual a Empreendedora Civil Limitada declara ter pago o
prêmio de Cr$ 400.060,00, que tocou ao primeiro décimo do bilhete 3.148 da
extração número 119 realizada em 20 de agosto de 1958, da Loteria Federal do
Brasil, a Evanir Felix de Carvalho. Evanir é filho de Dona Cacilda e
emprestou-lhe o dinheiro para comprar o terreno onde hoje se realizam as
reuniões do Seu Sete.
–
Como vocês estão vendo, eu comprei o terreno com dinheiro do meu filho. O
documento prova tudo. Já está desmentido qualquer boato.
De onde vem o
dinheiro
Quanto
aos carros que se comentava serem do ano e comprados em agencia em Copacabana,
ela também preferiu buscar no meio de documentos um recibo de 15 de julho de
1971, que explica o seguinte:
Recebi
do Senhor Evanir Felix de Carvalho a importância de Cr$ 1.154,00 (hum mil,
cento e cinquenta e quatro cruzeiros), referente à venda de duas viaturas TNE ¼
Ten, Willys, 1942, motor número MB-420.588, registro EB-217313 e TNE ¼ Ten,
Willys, 1942, motor número 40-140 registro EB-216023.
Quartel
da Vila Militar – GB, 15 de julho de 1971.
Neste
recibo, o cavalo de Seu Sete mostra o ano dos veículos e como foram comprados,
explicando ainda que andaram comentando ser ela possuidora de quatro
automóveis. Para justificar os 285 milhões das obras da nova Lira, Dona Cacilda
argumentou que há muitos anos ela vem fazendo uma campanha justamente naquele
sentido. “Com a sua ajuda, faça um doente sorrir”; “Vale um tijolo para a
construção da nova Lira do Seu Sete”, e vários outros tíquetes espalhados entre
os fiéis durante as apresentações do Rei da Lira.
–
A campanha que durou mais de cinco anos, me rendeu uma soma que ainda não pude
calcular, pois estava incluída nas despesas das cantinas – cafés, sopas,
guaranás, doces, refrescos e outras coisas –, das vendas de amuletos, cordões
com o 7 para os fiéis colocarem ao pescoço, anéis, chaveiros, bonequinhos vestidos
de Exu 7, guardanapos, plásticos etc. De tudo isso saia dinheiro, que era
entregue aos diretores (cinco), para, depois de somado, ser aplicado nas obras.
Como prova, podem conversar com dirigentes da Construtora ENAL, que está
fazendo tudo, que eles não dirão o contrário.
A
respeito dos estacionamentos abertos ao lado do terreiro, Dona Cacilda de Assis
faz questão de afirmar:
–
Esta deve ser a milésima vez que explico não ter nada com a renda dos
estacionamentos. Por causa de tudo isso é que todos já estão sendo legalizados
no Imposto Sobre Serviços. Os documentos de Dona Cacilda de Assis, proprietária
do terreno onde funciona a Tenda Espirita Filhos da Cabocla Jurema, todos
reconhecidos em cartórios da Guanabara, estão à disposição de quem por acaso
tenha alguma duvida. Ela mesma explica que não pretende esconder nada. Não
gosta que fiquem fazendo péssima imagem de Seu Sete, “Exu que só faz o bem, só
pensa em ajudar aos necessitados”.
“Não devo nem ao
meu marido”
Disposta
a não deixar nada encoberto, Dona Cacilda aproveitou a presença da reportagem
para mostrar uma cópia autenticada de um recibo que prova que nem ao seu
ex-marido ela deve.
–
O meu ex-marido andou dizendo, ou andaram dizendo no lugar dele, que eu ainda
lhe devo dinheiro, que não paguei o que deveria ter pago. Isto tudo também é
mentira dessa gente malvada. Eis o recibo para vocês darem uma olhada.
No
recibo está explicado que ela efetuou pagamento de Cr$ 220.000.00 ao Senhor
Reynaldo dos Santos Pereira, como parte que lhe coube no inventário por
desquite do casal. O próprio advogado, com inscrição 3.869, garante o
pagamento.
Também
foi exibido um documento do cadastro Geral de Contribuintes da Secretaria da Receita
Federal do Ministério da Fazenda, desmentindo rumores sobre a sonegação de impostos.
Dona Cacilda e seu companheiro, o corretor José Gomes, esclarecem nada ter
contra ninguém que andou erradamente falando do terreiro. Mas estão fazendo
questão de mostrar o lado verdadeiro de tudo. Inclusive ele, como corretor de
seguros conhecido na praça do Rio de Janeiro, tem arcado com despesas para a
manutenção do terreiro.
–
Não conto as vezes em que tive que meter a mão nas minhas finanças para
garantir pagamento de empregados da obra. Basta explicar que, para a conclusão
de tudo, eu e minha mulher vamos ter de mexer em nossos recursos. Essa história
de que tudo é pago no terreiro é conversa. Quando pedimos alguma ajudazinha, é
simplesmente para garantir a construção da nova Lira e fazer algumas
modificações que só trarão maior comodidade para os fiéis.
A
grande preocupação do casal é não deixar que permaneça a falsa imagem
construída por noticiários apressados. Também não pretendem continuar cobrando
Cr$ 5,00 por uma garrafa de cachaça a quem vai à mesa de cura.
–
Após a construção da Lira, quando tudo estiver bem prontinho (já me garantiu a
construtora que será para este ano), ninguém mais pagará um centavo de nada.
Essas pequenas esmolas também serão evitadas. Quero ver o que dirão os
faladores.
Já
eram quase 22 horas. Mãe Cacilda tinha desabafado. Fez questão de que os
documentos fossem publicados. Espera a compreensão de todos. Olhou para o
relógio e falou, antes de entrar:
–
Estão vendo como foi a festa de Cosme e Damião. Ninguém contribui com nada. Nós
é que estamos fazendo questão de dar tudo isso. Mas Deus é grande e sempre
recompensará essa gente com uma bondade.
Chamou
as empregadas da cozinha e advertiu que os homens que trabalharam com ela na
festa ainda não haviam jantado. A mesa
tinha que ser posta. Cumprimentou a todos e foi dormir tranquila. Ela, mais uma
vez obedecera ao seu Rei. O Seu Sete da Lira, o homem que afirma: “Só o amor
constrói”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário