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quinta-feira, 28 de julho de 2011

A CABULA E AS MACUMBAS

A CABULA

Diversos cultos influenciaram as práticas umbandistas no início do século XX.. O culto da Cabula é um exemplo que aponta para a fusão das práticas dos bantos com o Espiritismo. Cabula é um termo deturpado originário de Cabala. Este culto, já extinto, generalizou-se após a Lei Áurea e é o precursor das primitivas macumbas. Em diversos locais recebeu a influência do Catolicismo formando uma amalgamação sincrética onde se ouviam muitos termos utilizados nos terreiros de Umbanda.

Conforme Nina Rodrigues[1], o Espírito que comanda os trabalhos é chamado de Tatá. Seus adeptos, chamados de Camanás, devem guardar sigilo absoluto sobre os rituais sob pena de morte por envenenamento.

Tal qual no Catimbó, as sessões são denominadas mesas e o chefe de cada mesa é chamado de Embanda, sendo auxiliado pelo Cambone. A reunião dos camanás (cabulistas) forma uma Engira. Todos devem obedecer cegamente o Embanda sob pena de castigos severos. Usam calças e camisas brancas e lenços amarrados à cabeça.

O templo é denominado de Camucite, o local é secreto, sempre embaixo de uma árvore frondosa no meio da mata, em torno da qual é limpa uma extensão circular de aproximadamente 50 metros. Feita uma fogueira, a mesa é colocada do lado leste, rodeando pequenas imagens com velas acesas, simetricamente dispostas.

As velas são denominadas estereiras[2] e são acesas iniciando-se pelo leste, em honra do mar (calunga grande), depois para o oeste, norte e sul.

Logo após a abertura do ritual, o Embanda, ao som dos nimbus (pontos cantados) e palmas compassadas, se contorce, revira os olhos, bate no peito com as mãos fechadas até soltar um grito estridente.[3] Vejamos um desses nimbus:

Dai-me licença, carunga

Dai-me licença, tatá

Dai-me licença, bacúla

Que embanda qué quendá

O cambone traz então um copo com vinho e uma raiz. O Embanda mastiga a raiz e bebe o vinho. Serve o fumo do incenso, queimado neste momento em um vaso e entoa o segundo nimbu:

Báculo no ar

Me queira na mesa

Me tombe a girar

O Embanda, ora dançando ao bater compassado das palmas, ora em êxtase, recebe do cambone o candaru (brasa em que foi queimado o incenso), trinca nos dentes e começa a emitir chispas pela boca, entoando então o nimbu:

Me chame três candaru

Me chame três tatá

Sou Embanda novo (ou velho)

Hoje venho curimá

Os pleiteantes (caialos) a camanás (iniciados) são levados pelos seus padrinhos até o Embanda e tão logo adentram o círculo, passam três vezes por baixo das pernas do Embanda. Este aspecto do ritual é denominado tríplice viagem, que simboliza a fé, a humildade e a obediência a seu novo pai. O Embanda recebe a emba (pemba pilada) e com ela fricciona os pulsos, a testa e o occipital do caialo, que depois mastiga a raiz e bebe o vinho oferecido pelo Embanda.

Após esse ritual o Embanda toma uma vela acesa, benze-se e começa a passá-la por entre as pernas, por baixo dos braços e pelas costas do camaná. Se porventura a vela se apagar diante de um dos camanás, esse deverá ser castigado com várias pancadas na mão com o kibandan (palmatória), até que a vela não mais se apague. Esses castigos são freqüentes e o Embanda manda aplicá-los sempre que julga conveniente, para o aperfeiçoamento dos camanás.

Então, avaliada a fé de todos os camanás, prossegue-se com a tomada do santé, que é a parte principal das reuniões. Entoam um nimbu apropriado e o Embanda dança, com grandes gestos e trejeitos para que o Espírito se apodere de todos. De tempos em tempos todos lançam ao ar a emba, para que se afastem os “maus espíritos” e fiquem cegos aos profanos, não devassando assim os seus segredos.

O Espíritos que baixam nos adeptos identificam-se como Tatá Guerreiro, Tatá Flor de Carunga, Tatá Rompe-Serra, Tatá Rompe-Ponte etc. Este culto praticamente não existe na atualidade e foi absorvido pelo Catimbó e pelas macumbas.


AS MACUMBAS

A palavra macumba, de origem angolana, está ligada a um instrumento musical ou a um tipo de dança, o jongo ou o caxambu, e designa um culto que, na região central do Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, fundiu-se com o modelo nagô. Macumba é uma palavra recente (aproximadamente cem anos), visto que João do Rio[4], em 1904, designa os cultos africanos aí existentes pelo nome de candomblés e não utiliza o termo macumbas.

Edison Carneiro[5] fornece uma explicação para o termo:

Antes de dançar, os jongueiros executavam movimentos especiais pedindo a benção dos cumbas velhos, palavra que significa jongueiro experimentado, de acordo com essa explicação de um preto centenário: “cumba é jongueiro ruim, que tem parte com o demônio, que faz feitiçaria, que faz macumba, reunião de cumbas”. O jongo, dança semi-religiosa, precedeu, no Centro-Sul, o modelo nagô. Como o vocábulo é sem dúvida angolense, a sua silaba inicial talvez corresponde à partícula ba ou ma que, nas línguas do grupo banto, se antepõe aos substantivos para a formação do plural, com provável assimilação do adjetivo feminino .

Após o evento da libertação dos escravos, uma boa parte dos chamados Cultos de Nação passou a tomar um caráter mais externo, propiciando rápidas fusões e amalgamações com outros ritos, como a Cabula, o Catimbó, a Pajelança, começando a proliferação de terreiros, roças, mesas etc, por este Brasil afora.

Esta fusão trouxe para os catimbós e demais cultos alguns instrumentos ritualísticos dentre os quais uma espécie de tambor denominado macumba que era tocado nos festejos do Santo (Orixá). O macumbeiro era o seu tocador.

Estes cultos se expandiram rapidamente principalmente no Rio de Janeiro, e como geralmente esses tambores eram tocados, começaram a ser chamados de macumbas. Neles baixavam e baixam uma gama de Espíritos chamados de Mestres de Linha, os Tatás etc.

Os dirigentes e auxiliares desses rituais trabalham com tais Espíritos que estão na mesma faixa vibratória deles, na maior parte das vezes. Geralmente fazem trabalhos de bruxedo e feitiçaria de forma empírica, desconhecendo os seus fundamentos mas conhecendo os seus efeitos maléficos.

Com sua magia perversa exerceram e exercem sua influência maléfica nos quatro cantos do país. Centenas, milhares de pessoas de todas as classes sociais recorrem aos seus sortilégios. A política e o meio artístico foram e continuam a ser dos seus melhores e mais assíduos clientes, onde procuram resolver seus problemas de amor, ódio e interesses escusos.

Uma das tarefas mais importantes dos pioneiros do Movimento Umbandista da época era separar o joio do trigo, elucidando os novos adeptos sobre as diferenças entre Umbanda, Kardecismo e Macumba. Muitas confusões ocorriam na cabeça dos recém-chegados ao Movimento Umbandista, principalmente pela generalização desses cultos em torno do termo Macumba, prática que ainda hoje vigora em algumas cabeças menos esclarecidas e surdas aos clarins dos novos tempos. É comum ouvirmos alguns dizerem que vão a uma macumba quando, na verdade estão indo a um Terreiro de Umbanda.



[1] Os africanos no Brasil.

[2] Durante muito tempo, as velas eram confeccionadas de estearina. Hoje são confeccionadas com parafina.

[3] Fato comum nos terreiros de Umbanda quando da incorporação dos Caboclos.

[4] As religiões do Rio.

[5] Os candomblés da Bahia.

Textos do livro "Umbanda Brasileira: um século de história" (Diamantino F. Trindade)

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