TIA MARCELINA DE
MACEIÓ
Povina Cavalcanti
Revista Fon Fon (RJ), n. 52, 26 de dezembro de
1936
Tia Marcelina, Chico Foguinho e alguns
outros feiticeiros profissionais exerciam livremente a prática do seu ofício na
pacata e burguesa Maceió, lá pelos idos de 1910.
O famoso Xangô[1] da Tia Marcelina (era
assim conhecido o Candomblé da negra africana) ficava situado em um baixio à
margem dos trilhos da Great Western, quase em frente à Rua da Aroeira, habitada
por mascates e bicheiros.
Ali se processava o mais perfeito ritual
fetichista.
Todas as divindades do culto negro, das
mais poderosas aos orixás menos conceituados, recebiam em sacrifício as
manifestações da crença primitiva, festejados com solenes batuques.
Era voz geral que o governador devia a sua
força política aos favores do terreiro da Tia Marcelina.
Conheci essa preta feiticeira.
Não sei se meus olhos já viram, depois,
mulher mais feia, no mundo.
Conheci também os “santos” de seu culto. E
vi, ao som cavo e soturno de seus atabaques, a dança dos negros suarentos,
desarticulando-se em trejeitos de símios, em contorções de acrobatas macabros.
Aquele espetáculo foi o primeiro caminho
aberto no meu espírito para os domínios da bruxaria, a cujo misterioso país,
cheio de sombras e duendes, me levou a mão de uma velha serviçal de minha
família, tão boa quanto ignorante e supersticiosa.
No meu raciocínio de criança, argumentava que,
se o governador seguia à risca os conselhos da Tia Marcelina – por que eu, um
simples colegial, não os ouviria?
Comi muito bolo de acaçá no terreiro da preta
africana. Na hora do exame, vali-me de Ogum e respondi certo à arguição do
professor.
Um dia, voltava eu do colégio, quando
encontrei na rua um cortejo esquisito. Uma multidão desenfreada agitava no ar,
como troféus, os Santos, os Orixás, os chocalhos, os ganzás, os instrumentos e
toda a complicada família dos fetiches da macumba da Tia Marcelina.
Olhei, pasmo, a estranha procissão.
A indumentária dos pais de santo, as
contas, os seixos, tudo era conduzido aos gritos de “Abaixo os lebás!”
(Lebá, representação demoníaca no culto
fetichista, era o apelido dos políticos governistas).
Explicaram-me tudo. Aquilo era a salvação
do Norte.
O governador fugira do palácio. A Tia
Marcelina agonizava.
Deram-lhe uma surra tremenda!
De agora em diante Alagoas – livre dos
“lebás”, ingressava no regime da verdadeira democracia.
Tia Marcelina, miserável preta africana,
você é um símbolo. Você veio da costa da África para ser mártir da política e
um motivo do folclore.
A democracia lhe deu esse sacrifício
Nenhum comentário:
Postar um comentário