Capitão José Alvares Pessoa
Discurso pronunciado na Tenda São Jerônimo
em 30 de setembro de 1955
em 30 de setembro de 1955
Jornal de Umbanda, Outubro de 1955, n. 59
Meus
amigos!
O
hábito é uma segunda natureza e é pela força do hábito que neste dia de São
Jerônimo, que nos é tão caro, mais uma vez vos dirijo a minha palavra de
fraternal amizade.
Estamos
todos de parabéns, comungamos a mesma alegria e os nossos corações batem em
uníssono, obedecendo ao ritmo que em nós canta sob a inspiração do sentimento
puro dessa fraternal amizade.
E
tudo isso sob a influência da magia de Xangô, que nos traz unidos há mais de 20
anos, no mesmo ideal cristão de fazer o bem a todos os que buscam a sua Casa, ainda
que isso nos custe os mais penosos sacrifícios.
Meus
amigos, ao falar-vos da magia de Xangô, vem-me à mente os inúmeros benefícios
que, antes dos outros, nós mesmos da corrente temos recebido; das vitórias que
temos conquistado, na árdua luta de cada dia, para manter a tradição de
espiritualidade do terreiro de Xangô; dos sofrimentos que juntos temos
suportado nas horas amargas da perseguição que não nos tem faltado; das
alegrias pelo dever cumprido; das provas de lealdade que temos recebido de não
pequeno número de amigos devotados!
E
tudo isso nos leva a crer na Humanidade, no dia incerto do amanhã e sobretudo
na incomensurável bondade daquele que é tudo para nós, Pai, Guia, Santo, o
nosso incomparável São Jerônimo, que nunca nos faltou.
A minha alma se eleva, neste momento num hino
de fé e de amor ao nosso adorado Patrono, para render-lhe o preito da minha
mais profunda gratidão e para pedir-lhe que jamais nos abandone.
Meus
amigos, também a magia de Xangô lembra-me o tema, que me fala tão de perto ao
coração, da magia e seus mistérios.
“Toda
a ciência ao lado da magia é menos do que uma candeia ao lado da luz do astro
do dia”, diz o imortal teósofo espanhol Mário Roso de Luna.
É
um tema que fascina e sobre o qual, abusando da vossa paciência, resolvi fazer
algumas considerações. Considerações ligeiras, porque mesmo que eu dispusesse
das 24 horas do dia para discorrer sobre matéria tão relevante não a esgotaria.
Antes
de mais nada: o que é a magia?
Para
os letrados (aos milhões) do século em que vivemos é superstição grosseira,
ignorância e exploração da credulidade humana.
Mas,
nós que lidamos com a magia, que a realizamos, que vemos os seus milagres
diários, sabemos que magia é a ciência da vida e da morte, é a ciência do bem e
do mal, é a arte magna que nivela o homem aos deuses.
A
magia, segundo o sábio Adolfo Weiss, que a estuda a luz das ciências oficiais,
revela-se irmã maior da moderna física dos raios e seus domínios. É aquele
mundo intermédio, entre o mundo conhecido ou material e o do éter, sobre o qual
apenas se pode fazer conjecturas.
E
acrescenta aquele ilustre sábio: a magia é, portanto, uma ciência dos fluídos
que constituem um ramo conhecidíssimo das ciências naturais.
O
que fazemos nós em Umbanda, meus queridos amigos? Aproveitamos, por processos
de magia, os fluídos, que a ciência reconhece e que enchem o espaço que nos
rodeia, para aplicá-los em benefício da humanidade sofredora.
E
de que meio nos valemos para a aplicação desses fluídos?
Todos
nós que frequentamos as Tendas de Umbanda sabemos como se realizam as suas
sessões de magia e como chamamos os nossos Guias, que outra coisa não fazem
senão manejar esses fluídos com a sua incomparável maestria.
Lemos
ainda em Adolfo Weiss que “no universo existem forças encarregadas por Deus,
que se chamam anjos ou demônios, gênios ou espíritos. São inteligências
imateriais. Esses gênios possuem faculdades peculiares com as quais podem
exercer , sob certas condições, uma influência relativa sobre a Natureza. Cada
um dos gênios tem nome, número e signo determinados. Estas três características
servem para chamar o gênio respectivo a fim de que cumpra algum encargo na
esfera dos fenômenos naturais que lhe são adequados”.
Nunca
ninguém disse tanto, em tão pouco, que melhor pudesse caracterizar a verdadeira
natureza dos admiráveis Guias, que sob a denominação irrisória de Caboclos e
Pretos Velhos vem fazer caridade nos terreiros de Umbanda aos orgulhosos
senhores da Terra.
São
os nossos Guias, gênios ou inteligências imateriais, como os
qualifica o sábio alemão, os Mestres da magia natural, os manipuladores dos
fluidos que curam as moléstias físicas ou psíquicas, os trabalhadores do
laboratório do astral, este mundo intermédio a que já aludimos, que em Umbanda
chamamos Linha das Almas.
É
a manipulação desses fluídos, boa ou má, com objetivo de curar ou de matar, de
fazer a felicidade ou a desgraça de alguém, é o que se chama magia.
O
tema é empolgante.
A
magia, que é tão velha como o mundo, ou mais velha, tem tido seus períodos de
fastígio e decadência, tem imperado sobranceira e vivido ocultamente, sob mil
disfarces, em terríveis épocas de perseguição. Mas nunca deixou de ser
exercida, fosse qual fosse a sorte reservada aos seus adeptos, ora chamados de
alquimistas, ora de bruxos, feiticeiros, magos, negros etc.
Não sendo religião, todas as religiões a
praticam, mesmo inconscientemente, ou ignorando que a fazem os seus sacerdotes,
quando realizam cerimônias, que outra coisa não são senão operações de alta magia.
Na
Igreja Católica, que tanto combate nos tem feito, procurando o nosso
aniquilamento, são outros tantos aos mágicos a missa celebrada diariamente nos
seus altares, os batizados, os casamentos, as encomendações dos cadáveres e
todos os chamados sacramentos.
O
padre invoca, ao realizar qualquer cerimônia litúrgica, os seus santos, para
nós espíritos, gênios ou inteligências imateriais, que tem um nome, um número e
um signo ideográfico determinados.
Reparemos
os símbolos usados nas igrejas, os objetos do culto, as imagens, a roupa
ritualística bordada com signos misteriosos, que os sacerdotes vestem, as
palavras que pronunciam ou cantam, absolutamente cabalísticas, as essências
olorosas que queimam, a água com se aspergem, os mil e um passos ritmados que
dão ao realizarem a cerimônia, os gestos mágicos que fazem etc.
Tudo
isto é magia, com outro rótulo para o povo ignorante.
E
não se pejam de dar-lhe combate, a insultar-nos, como ainda em princípios deste
ano fez o Cardeal Câmara.
Despeitado
por não ter podido realizar, a 31 de dezembro passado, a tão propalada missa,
na então inacabada Praça do Congresso Eucarístico, missa que tinha como
primordial objetivo tirar o brilho das festas que anualmente realizamos nas
praias da cidade maravilhosa e do Estado do Rio, aquele padre da Igreja
Católica procurou ferir-nos, chamando-nos “emissários do inferno” e
qualificando o nosso culto à Senhora dos Mares de “ridículo, degradante e
pecaminoso”, Isto foi publicado no vespertino O Globo, de 8 de janeiro deste ano.
Mas
os insultos não nos atingiram. E enquanto o cardeal se enchia de raiva, por não
ter podido realizar a sua missa e assim desviar das praias a massa humana que
para elas se deslocou, nós realizávamos, mais uma vez, com um brilho
excepcional, a nossa festa de devoção, o nosso rito de magia à Divina Mãe de
Umbanda e do Universo, aquela que não tem idade, porque é o próprio Deus com
forma, ou em movimento, na sua eterna representação da divina energia.
Vale
aqui um parêntese para uma amarga observação. É verdade que, para tristeza
nossa, a maioria dos que se dizem umbandistas ainda se sente na obrigação de
prestigiar os padres católicos, levando às suas igrejas os filhos à batizar, a
fazer a comunhão, a casar etc., esquecendo, infelizmente, que são por eles desprezados
e injuriados e nivelados a “emissários do inferno”. Mas, que se há de fazer?
Eles sentem verdadeiro prazer em contribuir com milhares de cruzeiros para
canalização da fortuna que anualmente é carreada para os porões do Vaticano!
Recebem os benefícios que os Pretos Velhos e os Caboclos lhes proporcionam
gratuitamente e como escravos vão pagar o tributo que lhes é cobrado sem
piedade pelos padres da igreja, do jugo dos quais não conseguem libertar-se. É
uma verdadeira infelicidade!
Mas,
voltemos à magia, que em Umbanda praticamos conscientemente e com a certeza do
bem que por seu intermédio pode ser realizado para felicidade da humanidade
sofredora.
E
como sabemos que o homem nada pode realizar por si só e que, como diz ainda o
sábio Adolfo Weiss, tem que conformar-se com as leis da força de que deseja
aproveitar-se, invocamos humildemente as poderosas inteligências imateriais,
que constituem os Guias de Umbanda, que acorrem ao nosso chamado, feito com a
mais pura e sincera fé, e que realizam, sob os olhos atônitos dos que os
invocam, os milagres diários, que dão vida aos condenados à morte pela ciência,
que proporcionam felicidade aos desesperados da Vida, que confortam o coração
dos aflitos com as palavras de amor e esperança que sabem dizer quando é necessário,
que levantam os espíritos abatidos pela dor e que nos mostram a cada passo como
é vã e tola nossa vaidade e como são pequenos os que se julgam alguma coisa.
Meus
amigos, façamos hoje, em homenagem ao Senhor da Magia, o nosso incomparável
Xangô, um ato de fé nos destinos de Umbanda, a magia divina praticada nos
terreiros, que será, em dia que não está longe, a religião do povo brasileiro.
Saravá
Umbanda! Saravá Xangô!
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