Capitão José Alvares Pessoa
Jornal de Umbanda, Fevereiro/Março de 1956, n. 63/64
A
Igreja Católica Apostólica Romana não se conforma com a avassaladora
propagação, em todo pais e principalmente no Rio de Janeiro, do culto de
Iemanjá, a soberana dos mares, a senhora do mundo e a rainha do Cosmos.
E,
pela segunda vez, julgando-se detentora máxima do poder, resolveu, nos fins do
ano passado, tentar acabar com o ritual que no dia 31 de dezembro, à meia
noite, os devotos umbandistas vêm realizando há vários anos nas praias, para
prestar homenagem à dona dos mares e receber suas benções e suas graças e assim
entrar bem o ano novo.
Com
esse objetivo, o cardeal Jaime Câmara e o seu coadjutor Arcebispo Helder Câmara
determinaram que se realizasse no dia 31 de dezembro uma procissão-monstro, que
deveria sair do Hotel Leblon e, percorrendo todas as praias da zona sul,
terminaria no Russel, onde armado, à custa do dinheiro do povo, esbanjando
nababescamente pelas autoridades civis, se achava o altar onde seria realizada
uma pomposa missa, acompanhada de foguetes, fogos de artificio etc.
A
coisa foi trombeteada em todos os jornais, sendo convocados para o seu
acompanhamento todos os cidadãos do Distrito Federal e do Estado do Rio e
obrigados a tomar parte, por ordem superior, os garbosos componentes do
esquadrão dos Dragões da Independência e os valorosos soldados da Polícia
Militar.
Tudo
muito pomposo, muito reluzente, muito chic.
Mas,
não se tratava como, era apregoado, de encerrar-se o ano Eucarístico, com uma
homenagem à Senhora de Fátima, que no andor, seria levada até o Russel.
Cavilosamente,
como é do seu hábito, os padres da Igreja de Roma só tinham um objetivo:
prejudicar as festas de Iemanjá.
Estava na cara, como se diz na
gíria carioca. Os próprios indiferentes comentavam o caso.
Os padres católicos nunca festejaram com
manifestações religiosas públicas a passagem do Ano Novo. Nem aqui no
Brasil, nesses seus 400 anos de existência depois da descoberta, nem da Europa,
nem em qualquer parte do mundo se tem notícia de que a Igreja de Roma tenha
promovido um ritual religioso em tão grande dia.
No
Natal, sim. É tradição dos padres católicos a missa do galo, realizada à meia
noite nas igrejas, e nas cidades do interior em praça pública, essas chamadas
missas campais.
Tomando
conhecimento do assunto, os umbandistas preparam-se para mostrar aos
reverendíssimos que estariam a postos para o cumprimento do seu ritual, COMO DE
FATO ACONTECEU, não se misturando de modo algum aos devotos da Igreja que
naturalmente iriam acompanhar a procissão.
Consideraram
o caso como uma verdadeira provocação. Mas a resposta seria dada nas praias com
as invocações à doce Mãe de Umbanda.
Mas
quem dispõe do poder na terra não deve desafiar o poder dos Céus!
Iemanjá
– que é a representação material na terra da energia divina em movimento, a
senhora absoluta dos elementos – vendo a malícia que se aninhava no coração dos
padres de Roma, resolveu mostrar-lhes que se eles propõem, Ela é quem dispõe. A
última palavra é Sua e Ela, que é toda misericórdia e bondade para com os
humildes, castiga sem pena os que, orgulhosos, se imaginam alguma coisa.
O
dia 31 de dezembro amanheceu até bonito. Parecia que os homens de Roma iam ter
uma linda festa e que, com o poderio de que dispõem e com o dinheiro do povo
que lhe tinha sido dado de mãos beijadas, abafariam,
humilhando os pequenos umbandistas, que, pensavam eles, ficariam às moscas nas
praias.
À
tarde caiu um terrível temporal. Mas logo, como chuva de verão, amainou: o céu
ficou azul. Veio a noite. E às dez horas, mais ou menos, justamente à hora em
que os devotos católicos se dirigiam para o local aprazado, congestionando o
tráfego da zona sul, para atender ao convite, tão repetidas vezes trombeteado
pelos jornais, começou a cair uma chuvinha impertinente, miudinha, que foi
engrossando, até tornar-se torrencial lá para as onze horas e assim
permanecendo por toda a madrugada do dia 1 de janeiro.
A
procissão ainda chegou a arregimentar-se e a pôr-se em movimento, Mas, não havia devoção que resistisse à chuva no
lombo e como enterro de pobre o
carro que conduzia o andor da Senhora de Fátima seguiu só o seu melancólico roteiro, acompanhado apenas pelos
“Dragões da Independência”, e esses mesmos tiveram que dispersar-se, refugiando
o andor noutras bandas, porque à Praia do Russel, ONDE NÃO HOUVE MISSA NEM
NADA, não chegou.
Iemanjá
fez pela segunda vez o seu milagre, mostrando aos orgulhosos homens de Roma que
eles são pó e nada mais.
As chuvas rolaram. Como em dezembro
de 1954, quando o Cardeal Câmara lembrou-se de, pela primeira vez, desafiar
Iemanjá, tentando empanar o brilho de suas festas com uma missa no dia 31 no
aterro da chamada Praça do Congresso.
E
as chuvas rolaram e rolarão sempre até que a malícia se afogue no coração dos
homens maus que não tem sentimento de fraternidade, que são egoístas e
intolerantes e não querem respeitar o modo por que os outros adoram a Deus. E as chuvas rolando não prejudicam o ritual
dos umbandistas, que é feito dentro da água.
Que
não se esqueçam os arcebispos Câmara – Jaime e Helder – que Iemanjá é a senhora
das águas e as fará rolar, ou para transformar em tremendal uma praça, como a
do Congresso em 1954, ou para afogar os ímpios que se atrevam a desafiar a sua
força...
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