LENDAS YORUBÁ SOBRE OS ORIXÁS
Pesquisa realizada por Diamantino Fernandes Trindade
As diversas lendas sobre os Orixás são muitas vezes conflitantes, em função da transmissão oral de fatos realmente acontecidos em tempos muito distantes ou fatos permeados de fantasia. Assim, torna-se necessário, ao analisá-los, lembrar da mitologia greco-romana, com a qual estabelece, algumas vezes, similaridade, e onde os seres divinos demonstram atitudes e necessidades humanas.
Faremos uma abordagem sobre as lendas yorubá dos Orixás mais cultuados na Umbanda. Recorremos a Pierre Fatumbi Verger (Paris, 4/11/1902 – Salvador, 11/02/1996). Viveu durante dezessete anos em sucessivas viagens, desde 1948, pelos lados ocidentais da áfrica, em terras yorubá, onde se tornou babalawo, por volta de 1950, quando recebeu de seu mestre Oluwo o nome Fatumbi (aquele que nasceu de novo).
YEMANJÁ
Sobre Yemanjá Verger cita no seu livro “Os Orixás” o seguinte:
“Yemanjá (Yemoja) cujo nome deriva de Yéyé omo ejá (Mãe cujos filhos são peixes) é o Orixá da nação Egbá; Yemanjá seria filha de Olóòkum, deus (em Benin) ou deusa (em Ifé) do mar.”
“Numa história de Ifé ela aparece casada pela primeira vez com Orunmilá”, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei de Ifé, com o qual teve dez filhos, cujos nomes parecem corresponder a tantos outros Orixás.”
Segundo Verger, Yemanjá no Novo Mundo subdivide-se em sete:
Yemawô que na África é mulher de Oxalá
Yamassê, mãe de Xangô
Eua (Yewa), rio que na África corre paralelo ao Rio Ogum e que freqüentemente é confundido com Yemanjá
Olossá, a lagoa africana na qual deságuam os rios
Yemanjá Ogunté, casada com Ogum Alabedé
Yemanjá Assabá, que manca e fia algodão
Yemanjá Assessu, muito voluntariosa e respeitada
OGUM
Adékòyà[1] cita que Ogum é considerado pelos yorubá sob dois aspectos: como divindade e como um herói civilizador. Os dois aspectos estão integrados na cultura desse povo, bem como em sua visão de mundo. Ogum possui privilegiado poder de transformação, que se manifesta em seu trabalho com o ferro e o fogo, assim como detém o poder de articular, em seu panteão, o sistema de crenças, códigos gestuais, práticas e celebrações rituais.
De acordo com Verger [2], Ogum, como personagem histórico, teria sido o filho mais velho de Odùduà, o fundador de Ifé. Era um temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos vizinhos. Dessas expedições ele trazia sempre um rico espólio e numerosos escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a destruiu. Saqueou e devastou muitos outros estados e apossou-se da cidade de Irê, matou o rei, aí instalou seu próprio filho no trono e regressou glorioso, usando ele mesmo o título de Oníìré, "Rei de Irê". Por razões que ignoramos, Ogum nunca teve direito a usar uma coroa (adé), feita com pequenas contas de vidro e ornada por franjas de miçangas, dissimulando o rosto, emblema de realeza para os yorubás. Foi autorizado a usar apenas um simples diadema, chamado àkòró, e isso lhe valeu ser saudado, até hoje, sob os nomes de Ogún Oníìré e Ògún Aláàkòró inclusive no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, pelos descendentes dos yorubás trazidos para esses lugares.
Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà e foi ele que se tornou o regente do reino de Ifé quando Odùduà ficou temporariamente cego.
Ogum decidiu, depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para visitar seu filho. Infelizmente, as pessoas da cidade celebravam no dia da sua chegada, uma cerimônia em que os participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu vários potes de vinho de palma, mas ignorava que estivessem vazios. Ninguém o havia saudado ou respondido às suas perguntas. Ele não era reconhecido no local por ter ficado ausente durante muito tempo. Ogum, cuja paciência é pequena, enfureceu-se com o silêncio geral, por ele considerado ofensivo. Começou a quebrar com golpes de sabre os potes e, logo depois, sem poder se conter, passou a cortar as cabeças das pessoas mais próximas, até que seu filho apareceu, oferecendo-lhe as suas comidas prediletas, como cães e caramujos, feijão regado com azeite de dendê e potes de vinho de palma.
Enquanto saciava a fome e a sua sede, os habitantes de Irê cantavam louvores onde não faltava a menção a Ògúnjajá, que vem da frase Ògun je ajá (Ogum come cachorro), o que lhe valeu o nome de Ogúnjá. Satisfeito e acalmado, Ogum lamentou seus atos de violência e declarou que já vivera bastante. Baixou a ponta de seu sabre em direção ao chão e desapareceu pela terra adentro com uma barulheira assustadora.
Ogum é único, mas, em Irê, diz-se que ele é composto de sete partes. Ogún méjeje lóòde Iré, frase que faz alusão às sete aldeias hoje desaparecidas, que existiriam em volta de Irê. O número sete é, pois, associado a Ogum e ele é representado, nos lugares que lhe são consagrados, por instrumentos de ferro, em número de sete, catorze ou vinte e um, pendurados numa haste horizontal, também de ferro: lança, espada, enxada, torques, facão, ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades."
"A vida amorosa de Ogum foi muito agitada. Ele foi o primeiro marido de Oiá, aquela que se tornaria mais tarde mulher de Xangô. Teve, também, relações com Oxum antes que ela fosse viver com Oxossi e com Xangô. E, também, com Obá, a terceira mulher de Xangô, e Eléfunlósunlóri, "aquela que pinta sua cabeça com pós branco e vermelho", a mulher de Órisà Oko. Teve numerosas aventuras galantes durante suas guerras, tornando-se, assim, pai de diversos Orixás, como Oxóssie Oranian.
A importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos deuses yorubás e, também, em virtude da sua ligação com os metais e aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos trabalhos e das atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é, então e sempre, o primeiro e abre o caminho para os outros Orixás.
Entretanto, certos deuses mais antigos que Ogum, ou originários de países vizinhos aos yorubás, não aceitaram de bom grado essa primazia assumida por Ogum, o que deu origem a conflitos entre ele e Obaluaiê e Nanã Buruku.
XANGÔ
Historicamente, Xangô teria sido o terceiro rei de Oyó, filho de Oraniam e Torosi, filha de Elemjê, rei dos Tapás. A figura do rei guerreiro confunde‑se com a da divindade africana, existindo mesmo quem acredita que Xangô seria a divinização de um grande rei (a exemplo do que aconteceu com Jesus, que filho do homem, é também considerado como o filho de Deus). Xangô foi o grande soberano dos reinos yorubás.
A nós ocidentais ainda choca a idéia de um homem ter várias esposas, o que poderíamos dizer então de um deus que as tivesse? Todavia, a sociedade africana aceita estes fatos com a maior naturalidade. Xangô, Orixá viril, era esposo de três iabás: Oiá (Inhaçã), Oxum e Obá que, por ciúmes, viviam a infernizá‑lo. Tinha especial predileção por Oxum, por ser esta pouco mais que uma menina. Todavia, Inhaçã mais temperamental e feminina, era quem mais exigia do rei, tentando monopolizar suas atenções. Dividindo suas atenções entre a doce e meiga Oxum e a temperamental e voluptuosa Inhaçã, pouca atenção dedicava a Obá, mulher de agir primeiro e pensar depois, impetuosa, guerreira, mas também tola e ingênua. Enciumada, procurou saber, justo de Inhaçã, como fazer para merecer mais atenção e intimidade de Xangô. Este a respeitava e até louvava como guerreira, mas esquecia-se dela como mulher, o que muito a magoava. A ladina Inhaçã disse‑lhe então que se quisesse realmente ganhar o amor de Xangô, ela deveria cortar uma de suas próprias orelhas e servi‑la junto com a refeição a Xangô (razão porque em toda manifestação de Obá, no Candomblé, ela se apresenta com uma das orelhas cobertas com um lenço ou então com uma das mãos).
Enquanto Obá preparava o encantamento receitado por Inhaçã, esta intrigante avisava Xangô de que Obá lhe preparava uma cilada em que Xangô só teria olhos para Obá depois que provasse da comida encantada. Naturalmente esta situação tornava a permanência de Xangô no lar um verdadeiro inferno. Por outro lado, Xangô era intempestivo em suas ações, o que fazia com que o povo mais o temesse que o estimasse. Aborrecido por estes desacordos, Xangô desaparece no mato. É dado por morto (teria se enforcado). Todavia, sua liderança era inquestionável e seu povo depois de procurá‑lo por toda parte aos gritos e desesperados, solicitavam a sua presença. Foi quando ele apareceu e lhes disse que como rei e como deus os governaria do céu. Compreenderam então que ele tinha partido para o orum[3] e havia se transformado em Orixá.
O raio fulminante é o castigo de Xangô. Entre os yorubás, a morte por raio é considerada infame. A casa que é atingida por um raio é considerada marcada pela cólera de Xangô e o proprietário deve pagar onerosas multas aos sacerdotes deste Orixá.
Xangô é um Orixá muito popular no Brasil e nas Antilhas. Em algumas regiões do nordeste brasileiro, seu nome designa um conjunto de cultos chamados de “Xangôs”.
Conforme Pierre Verger (Orixás), na Bahia é comum ouvir que existem doze Xangôs: Oba Afonjá, Obalubé, Ogodô, Oba Kossô, Jakutá, Baru, Airá Intilé, Airá Igbonam, Airá Adjaosi, Dada, Aganju e Oranian. É uma lista um pouco confusa pois Dada é o irmão de Xangô, Oranian é o seu pai e Aganju é um dos seus sucessores.
OIÁ (YANSÃ)
"Um dia Obatalá, pai de Xangô, fornecera‑lhe um encanto poderoso capaz de o fazer vitorioso diante de todos ou qualquer inimigo. Xangô comeu a maior parte do encanto e o restante deu‑o a Inhaçã para guardá‑lo. Na ausência de Xangô, Inhaçã comeu parte do que lhe fora confiado. No dia seguinte, ocasião em que estava reunido o conselho de ministros, Xangô tomou a palavra que lhe fora concedida e de sua boca saíam labaredas, jatos de fogo, que apavorou o auditório que por conseqüência dispersara‑se logo após. De igual modo, acontecera a Inhaçã, palestrando com as damas ou mulheres ali reunidas...
Xangô enfurecido, bateu com o pé sobre o solo que se abriu, dando passagem a ele e às suas mulheres...
Inhaçã, a quem estava confiada a guarda do encanto, furtara‑lhe uma parte, comendo‑a, o que desesperou a Xangô que decidiu infligir um castigo à Inhaçã.
Inhaçã refugiou‑se no palácio de seu irmão Olokun, acompanhando, às ocultas, o declínio do Sol. Perseguida pelo deus do trovão, Olokun tomou‑lhe a defesa e travou intensa luta com o Orixá do raio. Nesse passo, em meio à luta, Inhaçã refugio‑se em casa de sua irmã Oloxá (o lago) e logo depois vendo que não podia ser protegida contra a ira de Xangô, fugiu para a casa do pescador Huissi.
Depois de relatar o ocorrido, pede a proteção e defesa do pescador que, por sua vez, expõe‑lhe que não tem meios para defendê‑la contra tão poderoso Orixá.
Inhaçã então resolveu dar de comer a Huissi o restante do encanto e, por essa razão o pescador transformou-se em Orixá; rapidamente saiu ao encontro do lançador de pedras com quem travou uma luta sem proporções, levando como arma, uma única arvore que existia no local e que arrancara pelas raízes.
Xangô tomou como arma a canoa de Huissi e, partidas as armas, terminaram no corpo‑a‑corpo. Receoso de ser vencido e, não podendo vencer Huissi porque já sentia fadiga, Xangô bateu o pé no solo que se abrindo lhe ofereceu abrigo, recebendo‑o. Terminada a luta, Inhaçã retirou‑se para Lacôrô onde o povo levantou um templo que foi oferecido à Orixá dos ventos e onde passou a ser cultuada".
Pierre Verger, na sua obra "Orixás" cita o seguinte:
Oya Yánsàn é a divindade dos ventos, das tempestades e do rio Níger que, em yorubá, chama‑se Odò Oya. Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso. Conta uma lenda que Xangô enviou‑a em missão a terra dos baribas, a fim de buscar um preparado que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar fogo e chamas pela boca e pelo nariz. Oiá, desobedecendo às instruções do esposo, experimentou esses preparados, tornando-se também capaz de cuspir fogo, para grande desgosto de Xangô, que desejava guardar só para si esse terrível poder.
Antes de se tornar mulher de Xangô, Oiá tinha vivido com Ogum. A aparência do deus do ferro e dos ferreiros causou‑lhe menos efeito que a elegância, o garbo e o brilho do deus do trovão. Ela fugiu com Xangô, e Ogum enfurecido, resolveu enfrentar o seu rival; mas este último foi à procura de Olodumaré, o deus supremo, para lhe confessar que havia ofendido Ogum. Olodumaré interveio junto ao amante traído e recomendou‑lhe que perdoasse a afronta. Mas Ogum não foi sensível a esse apelo. Não se resignou tão calmamente assim, lançou‑se à perseguição dos fugitivos e trocou golpes de varas mágicas com a mulher infiel, que foi, então, dividida em nove partes".
Pierre Verger conta ainda uma outra lenda relativa ao ritual do culto de Oiá‑Inhaçã, onde se utilizam chifres de búfalo.
“Ogum foi caçar na floresta. Colocando-se à espreita, percebeu um búfalo que vinha em sua direção. Preparava-se para matá-lo quando o animal, parando subitamente, retirou sua pele. Uma linda mulher apareceu diante de seus olhos. Era Oiá-Inhaçã. Ela escondeu a pele num formigueiro e dirigiu-se ao mercado da cidade vizinha. Ogum apossou-se do despojo, escondendo-o no fundo de um depósito de milho, ao lado de sua casa, indo, em seguida, ao mercado fazer a corte à mulher-búfalo. Ele chegou a pedi-la em casamento, mas Oiá recusou inicialmente. Entretanto, ela acabou aceitando, quando, de volta à floresta, não mais achou sua pele. Oiá recomendou ao caçador não contar a ninguém que, na realidade, ela era um animal. Viveram bem durante alguns anos. Ela teve nove crianças, o que provocou o ciúme das outras esposas de Ogum. Estas, porém, conseguiram descobrir o segredo da aparição da nova mulher. Logo que o marido se ausentou, elas começaram a cantar: Máa je, mau mu, àwò re nbe ninú àká; Você” pode beber e comer (e exibir sua beleza), mas a sua pele está no depósito (você é um animal).
Oiá compreendeu a alusão; encontrando a sua pele, vestiu‑se e, voltando à forma de búfalo, matou as mulheres ciumentas. Em seguida, deixou os seus chifres com os filhos, dizendo‑lhes:
`Em caso de necessidade, batam um contra o outro, e eu virei imediatamente em vosso socorro'. É por essa razão que chifres de búfalos são sempre colocados nos locais consagrados a Oiá‑Inhaçã.”
OXÓSSI
"Oxossi era irmão de Ogum e de Exu, todos os três, filhos de Yemanjá. Exu era indisciplinado e insolente com sua mãe e por isso ela o mandou embora. Os outros dois filhos se conduziam melhor. Ogum trabalhava no campo e Oxossi caçava na floresta das vizinhanças, de modo que a casa estava sempre abastecida de produtos agrícolas e de caça. Yemanjá, no entanto, andava inquieta e resolveu consultar um babalaô. Este lhe aconselhou proibir que Oxossi saísse à caça, pois arriscava‑se a encontrar Ossain, aquele que detinha o poder das plantas e que vivia nas profundezas da floresta. Oxossi ficaria exposto a um feitiço de Ossain para obrigá‑lo a permanecer em sua companhia. Yemanjá exigiu, então, que Oxossi renunciasse à suas atividades de caçador. Este, porém, de personalidade forte e independente, continuou suas incursões à floresta. Ele partia com outros caçadores, e como sempre faziam, uma vez chegados junto a uma grande árvore (irókò) separavam‑se, prosseguindo isoladamente, e voltavam a encontrar‑se no fim do dia e no mesmo lugar. Certa tarde, Oxossi não voltou para o reencontro, nem respondeu aos apelos dos outros caçadores. Ele havia encontrado Ossain e este dera‑lhe para beber uma poção onde foram maceradas certas folhas, como o amúnimúyè que significa ‘apossar‑se de uma pessoa e de sua inteligência’, o que provocou em Oxossi uma amnésia. Ele não sabia mais quem era, nem onde morava. Ficou, então, vivendo na mata com Ossain, como predissera o babalaô.
Ogum, inquieto com a ausência do irmão, partiu à sua procura, encontrando‑o nas profundezas da floresta. Ele o trouxe de volta, mas Yemanjá não quis mais receber o filho desobediente. Ogum, revoltado pela intransigência materna, recusou‑se a continuar em casa (é por isso que o lugar consagrado a Ogum está sempre instalado ao ar livre). Oxossi voltou para a companhia de Ossain e Yemanjá, desesperada por ter perdido seus filhos, transformou‑se num rio, chamado Ògún (não confundir com Ogum, o Orixá)”.
OXUM
"Oxum é a divindade do rio Oxum que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu. Segundo a lenda, Oxum era a segunda mulher de Xangô, tendo vivido antes com Ogum, Orunmilá e Oxossi”.
As mulheres que desejam ter filhos dirigem‑se a Oxum, pois ela controla a fecundidade, graças aos laços mantidos com Iyámi-Àjé. Sobre este assunto, Verger cita a seguinte lenda:
"Quando todos os Orixás chegaram à terra, organizaram reuniões onde as mulheres não eram admitidas. Oxum ficou aborrecida por ser posta de lado e não poder participar de todas as deliberações. Para se vingar, tornou as mulheres estéreis e impediu que as atividades desenvolvidas pelos deuses chegassem a resultados favoráveis. Desesperados, os orixás dirigiram‑se a Olodumaré e explicaram‑lhe que as coisas iam mal sobre a terra, apesar das decisões que tomavam em suas assembléias. Olodumaré perguntou se Oxum participava das reuniões e os Orixás responderam que não. Olodumaré explicou‑lhes então que, sem a presença de Oxum e do seu poder sobre a fecundidade, nenhum de seus empreendimentos poderia dar certo. De volta à terra, os orixás convidaram Oxum para participar de seus trabalhos, o que ela acabou por aceitar depois de muito lhe rogarem. Em seguida, as mulheres tornaram‑se fecundas e todos os projetos obtiveram felizes resultados".
Oxum é chamada de Ìyálóòde (Ialodê), título conferido à pessoa que ocupa o lugar mais importante entre todas as mulheres da cidade. Além disso, ela é a rainha de todos os rios e exerce seu poder sobre a água‑doce, sem a qual a vida na terra seria impossível. "
NANÃ BURUQUÊ
Segundo Pierre Verger, Nanã Buruquê é uma divindade muito antiga e é cultuada numa vasta área africana. É conhecida também pelos nomes de Nanã Buruku, Nanã Bukuu, Nanã Brukung ou ainda Brukung. Numa região chamada Ashanti, o termo Nanã é utilizado para as pessoas idosas e respeitáveis e significa mãe.
Cita ainda a existência de várias divindades como o nome inicial de Nanã ou Nenê. Essas divindades recebem o nome de Inie e desempenham o papel de deus supremo. Em todos esses Templos há um assento sagrado salpicado de vermelho, em forma de Trono ashanti, reservado à sacerdotisa de Inie, no qual só ela pode tocar.
Todos os iniciados ligados ao Templo têm grandes bengalas salpicadas de pó vermelho e, em torno do pescoço usam trancinhas (cordinhas trançadas) sustentando uma conta achatada de cor verde.
Várias são as lendas sobre Nanã Buruquê. Pierre Verger faz referência a uma pesquisa datada de 1934, redigida por J. C. Guiness. Essa pesquisa foi feita na região do Adélé, através de um informante do Kotokoli.
Na fronteira dos países Haussa e Zaberima (Djerma) há um rio chamado Kwara (Níger) que deu seu nome a uma cidade situada às suas margens. Em uma gruta, no fundo do rio, vivia outrora um grande ídolo chamado Brukung e com ele viviam sua mulher, seu filho e um homem chamado Langa, que era criado de Brukung. Viviam todos juntos na gruta. Na cidade de Kwara vivia um homem chamado Kondo, um homem bom que era conhecido, mesmo nos locais mais distantes, pelo nome de Kondo Kwara. Tinha o costume de todos os dias colocar oferendas de galos e de pito (beberagem) e algumas vezes um carneiro nas margens do rio onde Langa vinha pegá‑los e os levava para a gruta debaixo d'água. Um dia, porém, um grupo de pescadores haussa veio da Nigéria para pescar no rio Kwara.
Roubaram as oferendas e Kondo ficou tão contrariado que foi para Gbafolo, na região Kotokoli, e instalou‑se com sua família em Dkipileu, a seis, ou sete milhas dali. Brukung, por sua vez, foi viver em uma gruta na floresta próxima de Dkipileu, Kondo soube disso e recomeçou a colocar suas oferendas. Langa reapareceu também, trazendo assentos que fizera na gruta de Kwara. Mais tarde Kondo reencontrou Brukung. Porém, pouco tempo depois, uma invasão ashanti obrigou Brukung e os seus a refugiarem‑se em Shiari.
Nanã Buruquê é conhecida no Novo Mundo, tanto no Brasil como em Cuba, como a mãe de Obaluaiê. É considerada como a mais antiga das divindades das águas. Sua atuação se faz sentir sobre as águas dos lagos e da lama dos pântanos.
OBALUAIÊ
Obaluaiê é conhecido também como Omulu. Segundo Pierre Verger, Obaluaiê significa "Rei Dono da Terra" e Omulu significa "Filho do Senhor". Obaluaiê é considerado o deus da varíola e das doenças contagiosas.
Obaluaiê e Nanã Buruquê são freqüentemente confundidos em certos locais da África. Em algumas lendas fala‑se a respeito da disputa de Obaluaiê e Nanã Buruquê contra Ogum. Verger considera essa disputa de divindades como o choque de religiões pertencentes a civilizações diferentes, sucessivamente instaladas num mesmo lugar e datando de períodos respectivamente anteriores e posteriores à Idade do Ferro. Muitas são as lendas sobre Obaluaiê. Transcreveremos aqui, duas delas narradas por Verger em sua obra "Orixás".
A primeira lenda diz o seguinte:
Obaluaiê era originário de Empé (Tapá) e havia levado seus guerreiros em expedição aos quatro cantos da Terra. Uma ferida feita por suas flechas tornava as pessoas cegas, surdas ou mancas. Obaluaiê chegou assim ao Território Mahi no norte do Daomé, batendo e dizimando seus inimigos, e pôs‑se a massacrar e a destruir tudo o que encontrava à sua frente. Os mahis, porém, tendo consultado um babalaô, aprenderam como acalmar Obaluaiê com oferendas de pipocas. Assim, tranqüilizado pelas atenções recebidas, Obaluaiê mandou‑os construir um palácio onde ele passaria a morar, não mais voltando ao país Empê. O Mahi prosperou e tudo se acalmou.
A segunda lenda é originária de Dassa Zumê e diz o seguinte:
Um caçador Molusi (iniciado de Omulu) viu passar no mato um antílope. Tentou matá‑lo, mas o animal levantou uma de suas patas dianteiras e anoiteceu em pleno dia. Pouco depois, a claridade voltou e o caçador viu‑se na presença de um Aroni, que declarou ter intenção de dar‑lhe um talismã poderoso para que ele colocasse sob um montículo de terra que deveria ser erguido defronte de sua casa. Deu-lhe também um apito, com o qual poderia chamá‑lo em caso de necessidade. Sete dias depois, uma epidemia de varíola começou a assolar a região. O Molusi voltou à floresta e soprou o apito. Aroni apareceu e disse‑lhe que aquilo era o poder de Obaluaiê e que era preciso construir para ele um templo e todo mundo deveria, doravante, obedecer ao Molusi. Foi assim que Obaluaiê (chamado de Sapata pelos fon) instalou‑se em Pingini Vedji.
OXALÁ
Dentre todos os deuses yorubás, Oxalá é o que ocupa o lugar de maior destaque, recebendo ainda os nomes de Obatalá, O Grande Orixá, Orixalá, O Rei do Pano Branco etc.
São inúmeras as lendas africanas sobre Oxalá. Relatamos uma lenda que nos parece das mais tradicionais, contada pelo Babalaô Pierre Fatumbi Verger, na sua obra Orixás, publicada pela Editora Corrupio.
Segundo Verger, Oxalá recebeu de Oludumaré (o deus supremo) a incumbência de criar o mundo com o poder de sugerir e de realizar. O poder que lhe havia sido confiado não o dispensava, no entanto, de passar por certas provações e submeter‑se a determinadas regras e respeitar diversas obrigações como os outros Orixás.
Verger cita uma história de Ifá que conta como, em razão de sua altivez, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu. antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.
Oxalá seguiu o seu caminho apoiado no seu cajado de estanho. Quando ia ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que tinha, como uma de suas obrigações, fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. A recusa de Oxalá realizar os sacrifícios e oferendas causou grande descontentamento a Exu, que se vingou fazendo‑o sentir uma sede intensa. Para saciar a sede, Oxalá furou, com seu cajado, a casca do tronco de um dendezeiro. O vinho de palma escorreu desse tronco, e ele bebeu com grande avidez, ficando bêbado e sem saber onde estava, adormecendo em seguida. Após haver adormecido, Exu roubou‑lhe o saco da criação e dirigiu‑se a Oludumaré para mostrar‑lhe o estado de Oxalá. Oludumaré exclamou: Se ele está nesse estado, vá você, Oduduá! Vá criar o mundo!. Oduduá saiu assim do além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair a substância marrom contida no saco da criação. Era a Terra. Formou‑se, então, um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garras. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia‑se alargando cada vez mais. Oduduá aí se estabeleceu, seguido pelos outros Orixás, e tornou‑se assim o rei da Terra.
Quando Oxalá acordou não mais encontrou a seu lado o saco da criação. Nutrindo grande despeito, voltou a Oludumaré. Este, como castigo pela sua bebedeira, proibiu-o, assim como aos outros de sua família, os Orixás funfun, ou Orixás brancos, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite‑de‑dendê. Confiou‑lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Oludumaré, insuflaria a vida.
Oxalá aceitou essa incumbência, porém, não levou a sério a proibição de beber o vinho de palma e, nos dias em que se excedia no vinho, os homens saíam de suas mãos com vários defeitos físicos. Alguns eram retirados do fomo antes da hora, e suas cores eram muito pálidas (albinos). Vem daí o fato de os albinos serem adoradores de Oxalá.
Nos cultos de nação Oxalá é representado de duas formas: Oxaguian e Oxalufan. Oxaguian é o Oxalá Menino, geralmente sincretizado com o Menino Jesus de Praga. É um Orixá funfun jovem e guerreiro relacionado com o sustento cotidiano, gosta de mesa farta. Seu sustento é proveniente do fundo da terra ou da floresta. É o guerreiro da paz. Segundo algumas lendas, foi rei de Ejigbo. Gosta muito de inhame pilado e seu nome significa Orixá que come inhame pilado. Oxalufan é o Oxalá Velho, sincretizado com Jesus Cristo. Segundo algumas lendas foi rei de Ifan. É um Oxalá velho, curvado pelos anos, que anda com dificuldade, como se estivesse acometido de reumatismo.
IBEJI
O culto aos gêmeos remonta aos tempos mais antigos. Na mitologia grega encontramos os heróis gêmeos (também chamados Dióscuros), Castor e Pólux. Conta‑se que as famílias romanas os invocavam por ocasião de doenças, principalmente em crianças.
Em quase todas as culturas, o nascimento de gêmeos sempre era considerado prenúncio de coisas boas. Em Togo, no Daomé e na Nigéria Ocidental, a ocorrência de dois ou três filhós no mesmo parto era motivo de grande júbilo, e a mãe recebia grandes homenagens. Ibeji são Orixás nagôs que representam os gêmeos e simbolizam também a fecundidade.
Câmara Cascudo[4] diz‑nos o seguinte:
Ibeji são Orixás jeje‑nagôs, representados nos candomblés pelos santos católicos gêmeos Cosme e Damião. Não há fetiche dos Ibeji, que em Cuba são os Jimaguas, estes sem qualquer semelhança com as imagens católicas. Os africanos católicos da Costa de Escravos costumavam batizar seus filhos gêmeos com os nomes de Cosme e Damião. O culto dos Ibeji nos nagôs é uma homenagem à fecundidade. Nina Rodrigues identificou os Ibeji nas formas bonitas dos dois santos mártires, ligando‑os à religião negra. Inexplicável é o desaparecimento dos ídolos Ibeji e a sobrevivência cristã de Cosme e Damião. Dos Ibeji caracterizadamente nada se conhece no Brasil.
Fernando Ortiz[5] diz que os Orixás Ibeji são as divindades tutelares dos gêmeos, idênticos ao deus Hoho das Tribos Ewe (jejes). Aos Ibeji está consagrado um pequeno mono chamado Edon Dudu ou Edun Oriokun, e geralmente a um dos meninos gêmeos se chama também Edon ou Edun. Os bruxos cubanos dizem a Fernando Ortiz ser Jimagua a representação de Dadá e Ogum, irmãos de Xangô, tanto assim que a faixa que os envolve é vermelha.
Na África, em geral, as crianças representam a certeza da continuidade, por isso os pais consideram os filhos como a maior riqueza. A palavra Igbeji significa gêmeos e o Orixá Ibeji é o único permanentemente duplo. Forma-se a partir de duas entidades distintas que coexistem, respeitando o princípio básico da dualidade. Ibeji são os opostos que caminham juntos, a dualidade de todo ser humano.
Existe uma confusão corrente em determinados terreiros de Umbanda, onde se confunde os Orixás Ibeji com os êres. O erê não é uma entidade e nem um Orixá, é um estado intermediário, de transe infantil, pelo qual o iniciado do Candomblé passa na regressão da manifestação do Orixá para a personalidade do indivíduo. O erê é o intermediário entre a pessoa e o seu Orixá. É o desabrochar da criança que cada um traz dentro de si.
[1] Olúmúyiwá Anthony Adékòyà. Yorubá: Tradição Oral e História.
[2] Pierre Fatumbi Verger. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo.
[3] Céu.
[4] Meleagro.
[5] Los Negros Brujos.
sábado, 11 de outubro de 2008
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